A família reinventada

Sobre o livro A Família em Desordem de Elisabeth Roudinesco

Uma estrutura familiar consiste em um vínculo sexual e afetivo oficializado (civil e ou religioso), na união de dois seres humanos de sexos diferentes, que gera e cria uma ou mais crianças. Certo? Errado! A estrutura familiar se baseia numa relação nem sempre oficializada e quando isso ocorre cumpre mais a função de celebração dum amor.

 Já admitimos que o casamento pode ser curto como tantas boas intenções. É possível constituir famílias monoparentais (filhos criados somente por um dos pais) e recompostas (com os meus, os teus e os nossos). O casal pode ser de pessoas do mesmo sexo. Freqüentemente as crianças de uma casa não são filhas do pai ou da mãe que vive nela. Felizmente, estamos cada vez melhor preparados para as adoções tratadas de forma explícita, sem tabus ou mentiras, assim como para as fecundações medicamente assistidas. A decisão de ter filhos é uma questão, não uma certeza, e casais que decidem não tê-los mesmo assim se consideram uma família.

Para falar dessas mutações da família, esteve em Porto Alegre a psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco, abordando teses oriundas de seu livro A Família em Desordem (Jorge Zahar Editor). Roudinesco tenta responder à questão de porquê tudo mudou, mas as pessoas insistem em caracterizar como familiares os vínculos que constituem. Não seria uma boa oportunidade de livrar-se dos grilhões de uma instituição que tanto oprimiu, excluiu, julgou e puniu os indivíduos que ousaram questionar o pátrio poder, a submissão das mulheres e o amor heterossexual?

Pois bem, a psicanalista francesa nos recorda que a própria gênese de uma nova família provém da explosão de duas outras. Para poder casar é necessário que dois filhos tenham a coragem de esvaziar o ninho e a vida de seus pais e de substituí-los no lugar parental. Portanto, a família já contém em sua essência o projeto de ser rompida, superada e abandonada. Em função disso, não deveria nos estranhar tanto o fato de que ela venha absorvendo tão bem os golpes das sucessivas revoluções na intimidade do lar. Em última instância, não encontramos ainda uma melhor forma de estabelecer um laço afetivo de ajuda mútua e concernência, que comporte a possibilidade de convívio e troca entre as diferentes gerações. No fim das contas, desculpem a pieguice, para todos só resta a família, seja a nova, a originária ou as duas. Afinal, pondera Roudinesco, não é compreensível que doutores e políticos fiquem se desesperando frente às novidades na vida privada, como já ocorreu com o divórcio e a contracepção, que já geraram tanta histeria, assim como hoje ainda se debate em termos fatalistas o tema do aborto, da paternidade dos homossexuais e da ética das manipulações médicas. Não há porque ficar vaticinando o fim da família e com ela o fim dos tempos, se estamos frente a uma modalidade de agrupamento humana tão flexível e resistente. De fato, a família não está em perigo, porque seu interior ainda é o lugar mais seguro.

08/08/04 |
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Um Comentário
  1. Eliane costa permalink

    Muito interessante a abordagem da autora.

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