A outra FIFA

Sobre os que não gostam de futebol

Fui incumbida de uma tarefa, embora constrangedora, necessária e de utilidade pública. Trata-se duma revelação: a da existência da FIFA, não a conhecida, mas outra. A Federação dos Indiferentes ao Futebol Anônimos. Reunimo-nos na sala ao lado dos grupos que lutam contra seus vícios, pois, não pense o leitor, que somos resignados à nossa limitação.

Quando o Brasil e o mundo param, pendentes em torno dos virtuoses da bola, também sentamos na frente da TV (campo já é demais), fazendo um esforço legítimo para participar da empolgação reinante. Na verdade, temos inveja do torcedor genuíno, aquele que na ocasião do jogo não poderia estar em outro lugar. Quanto a nós, admito que só não estamos numa sala de cinema por que não dá, é impossível se esconder. Imagine-se agora frente a uma partida de beisebol e suas regras incompreensíveis ou assistindo um “empolgante” campeonato de golf na TV, é assim que nos sentimos.

Não há orgulho na nossa condição de alienados. Eu, por exemplo, simplesmente não consigo prestar atenção ao que está acontecendo no jogo. Nas ocasiões mais dramáticas me conecto, sofro até, quero viver num país campeão, adoro ganhar. Mas eu gosto do meu país, não de futebol. Se minha condição é desagradável, imagine a dos pobres membros masculinos do nosso grupo. Eles são os reis do disfarce, são capazes de ler na internet o resultado dos jogos na noite anterior, para não fazer feio na manhã seguinte frente aos colegas. Alguns até mesmo têm time, herdaram do pai ou escolheram em algum momento crucial da infância. Torcem por bons resultados, mas isso não os torna capazes de assistir jogos ou ler o caderno de esportes do jornal.

A Copa é uma guerra mundial benigna, se dá para dizer assim. Durante o campeonato as identidades nacionais se afirmam, as classes sociais se misturam. É um evento de comoção mundial lúdico, pois nenhum destino está verdadeiramente em questão, apenas o orgulho dos cidadãos sofre acréscimos ou abalos conforme o resultado. No dia a dia dos jogos é possível aos torcedores sentir-se parte de um coletivo que independe de origem ou posição social, ser de um time é uma condição em si, desconectada de raça, credo ou riqueza. Pela manhã um homem humilde pode tocar flauta num burguês metido, afinal seu time ganhou no dia anterior e ele se sente, de fato, um vencedor, enquanto o outro é, de fato, um perdedor. Torcer por um time é uma identidade prêt-à-porter, plástica, motivo de alianças ou querelas em família, brigas até, mas é tudo uma grande brincadeira. Os homens correm no gramado, enquanto as línguas disputam seus campeonatos na prática mais corrente desse esporte: a verbal, em intermináveis debates, no rádio, na mesa, na TV.

Estou divulgando a existência da FIFA, da nossa, porque se inicia para nós um período dramático. È preciso que aqueles da nossa condição saibam que não estão sós. Vocês normais não se preocupem, disfarçamos bem, estamos treinados para isso, não seremos reconhecidos.

31/05/06 |
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4 Comentários
  1. mariza carpes permalink

    Diana, Tim-tim!!
    Assino embaixo, obrigada!
    Abraço da Mariza Carpes.

  2. Fabiana Piccinin permalink

    Obrigada pelo texto. Agora não maiscomo F. Pessoa, já tenho par neste mundo. E não insisto mais em perguntar de que tipo de matéria sou constituída.

  3. Clarissa de Oliveira Goelzer permalink

    Simplesmente maravilhoso rsrs

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