A sedução do pirata

Sobre como amamos e nos identificamos com os piratas

Johnny Depp é uma gracinha. O pirata Jack Sparrow, de andar balouçante, é uma personagem imprevisível e fascinante. Não é um vitorioso, só é heróico só quando lhe convém, não é confiável nem mesmo para sua tripulação, o que não a impede de amá-lo, entre um motim e outro. As mulheres sempre terminam por esbofeteá-lo, mas só depois do beijo. O olhar castanho e sorrateiro de Depp, a sexualidade ambígua dos trejeitos do corsário, são muito diferentes do queixo quadrado, dos músculos e da personalidade previsível dos super-heróis que fazem a cabeça do público masculino. Não é essa nossa escolha: Sparrow é campeão de suspiros entre as mulheres, principalmente as mais jovens. Mas o que é que o pirata tem?

Os fora-da-lei sempre tiveram grande potencial de ganhar espaço em nosso coração. Mais do que amá-los, identificamo-nos com eles. Eles levam a vida provando que o patriarcado não é o tudo o que pensa que é, só se acha. Governantes, soldados e policiais são mostrados como administradores burocráticos de um poder instituído, os quais nutrem secreta e invejosa mágoa do seu rival. Os piratas e outros malandros são perseguidos ou depreciados pela hierarquia masculina, mas contam com a simpatia das heroínas, mesmo que elas comecem odiando-os. São amores que, na prática, começam e terminam numa bofetada, mas protagonizam os sonhos eróticos das mulheres.

Filhos rebeldes do papai-sabe-tudo, nossos heróis marginais estão na vida para provar que até mesmo nós, que não temos bíceps vigorosos nem privilégios hierárquicos, podemos usurpar a liderança do navio. Hoje muitas de nós capitaneiam grandes embarcações do mundo capitalista, embora paire a suspeita de sermos usurpadoras de um lugar que a princípio não estava planejado para nosso sexo.

Quando bem pequenas acreditamos que o pai é uma autoridade absoluta, parece que ele estabelece e executa sua própria lei. É grande, barbudo, áspero, possuidor dos encantos que ainda mobilizam ou pelo menos que emocionaram um dia a nossa mãe. Não demora muito para que qualquer filho suspeite que por trás do Super-Homem que ele supunha ter em casa, há um Homer Simpson: barrigudo, subalterno e covarde. É aí que ficamos prontas para sermos seqüestradas por um navio pirata, onde haja um homem que faça sua própria lei. Ele deve marcar sua virilidade no fio da espada e subjugar as mulheres somente por prazer, sem esperar que lhe lavem as cuecas. O pirata prova do que é capaz num mundo ainda mais viril do que o exército, onde qualquer fraqueza será punida com a destituição ou a morte.  

Enquanto filhas mulheres jamais seremos um deles, como papai. Cabe-nos então uma missão de irreverência, destinada a provar que sua lei e seu poder não são absolutos. Por isso sempre fomos taxadas de histéricas, bruxas, embusteiras, manipuladoras, que foi nossa forma tradicional de piratear. A sedução do pirata talvez seja proveniente do fato de que ele é uma de nós. Estranho não?

01/08/07 |
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