Admirável mundo teen

Reflexões sobre adolescência e paternidade

Vivemos uma época do pós conflito de gerações. Muitos de nós, mas certamente a geração de quem hoje está próximo dos cinqüenta anos (os nascidos nas décadas de 40, 50), viveu um sério conflito de gerações. Essas pessoas tiveram conflitos com seus pais por pensarem a vida de modo bem diferente, outros valores surgiam e se opunham aos de seus pais. Muito devemos a essa geração heróica, ela nos abriu caminhos.

Mas o que quero ressaltar, era a existência de uma real diferença de postura frente à vida como gerador da oposição entre as gerações. Pais e filhos possuíam diferenças políticas, havia uma crítica ao poder autoritário dos pais, uma diferença na ética sexual, uma nova postura em relação ao valor das tradições e ao peso da religião na orientação da vida. Em resumo era uma oposição entre dois mundos. Poderíamos desdobrar isso em quase todas frentes da vida.

Este fenômeno torna-se particularmente interessante no contexto de nossa reflexão porque o palco de tais disputas começava na adolescência. Talvez seja inclusive importante pensar o quanto a má fama de rebeldia da adolescência não venha mais dessa época do que de hoje.

É certo que em cada geração, desde sempre, houve uma oposição constante entre o velho e o novo, a questão é se essa oposição era de princípios ou de espaço. Se são novos disputando um novo modo de conceber as coisas ou se são novos conquistando reconhecimento dentro de tradicionais esquemas de vida.

O que hoje vivemos são conflitos que poderíamos classificar como do segundo tipo, o novo dentro do velho esquema, conflitos de aparências. Não há uma real disputa de valores, ou então estão muito localizados. Pais e filhos não tem hoje uma postura frente ao sexo muito diferente, apenas cada um no seu papel quanto à melhor administração: os filhos tentando ser precoces e os pais tentando prolongar a castidade, problemas de cronograma, mas mesmo assim não se encontra uma verdadeira oposição de princípios. Às vezes podemos encontrar inclusive uma inversão, pais encaminhando ao ginecologista uma assustada púber que ensaia seus primeiros beijos apesar do aparelho, pais promovendo coleções de camisinhas dos seus pitocos de 9 anos. O fato é que ninguém questiona seriamente coisas como o sexo antes do casamento, não mais professa-se a virtude da virgindade, quanto aos malefícios da masturbação, por exemplo, o problema é quanto, como e onde permitir. Trocando em miúdos, tudo é um problema de medidas, calendários, territórios, ajustes enfim.

Quanto à questão da hierarquia dentro de casa não são necessários comentários para nos darmos conta das mudanças. A família tradicional vertical com a palavra do pai inquestionável acabou. Cada uma a seu modo, as famílias estão mais democráticas. As  tiranias, quando encontramos, são até dos filhos oprimindo os pais. Não que não se encontre pais opressores, o que não se encontra é a justificativa social para isso, e é isso que faz a diferença.  As manipulações são mais de cunho emocional (do tipo chantagista) do que como recurso de autoridade, é mais fácil hoje um pai convencer um filho a não fazer algo para que ele, o pai, não sofra com a preocupação do que simplesmente proibir o filho porque acha que não é certo, ou ainda não está na hora….

Quanto aos valores que orientam a nossa vida então geralmente é onde encontramos maior sintonia, pais e filhos estão igualmente perdidos quanto ao que vale e para onde vamos, a flexibilidade parental é mais conseqüência do que causa. Orienta-se pouco por falta de rumos, proíbe-se pouco por dúvidas éticas. É como quando nos perdemos e observamos os que vão na frente, como se estes soubessem o caminho, “o que você está vendo aí meu filho?”

Vivemos então um momento de passagem do conflito entre gerações para um conflito de acomodação de espaço entre as gerações. Não se compreenda por isso uma calmaria entre pais e filhos, em absoluto, apenas acredito ver uma modificação na qualidade dos litígios.

É claro que a casa com adolescente é de um barulho constante, mas as brigas, que não são poucas, situam-se mais no eixo do espaço que cada um ocupa. Briga-se pelos abusos mútuos, sendo que a fonte de litígio maior é o tema da autonomia, você já deveria estar fazendo ou preocupando-se com tal coisa, você ainda não tem direito a ….Direitos e deveres, eternos ajustes…

Mais cheio de remendos que a constituição brasileira, o estatuto de cada casa constrói-se no andar da carroça. A pauta do olhar dos vizinhos ou dos parentes não possui a mesma prevalência, olha-se para os lados para comparar talvez, mas não é mais o julgamento moral que permeia estas trocas, nisto também é cada um por sí, ou melhor cada família por sí. Hoje a comunidade fornece as pautas de maneira bastante sutil, temos um Outro mais plástico, isso não quer dizer que não possa tomar formas opressivas.

É muito parecido mas temos uma modificação, o olhar social anterior ( “o que os vizinhos vão dizer”) era vertical, havia o certo, ou seja a virgindade, a honestidade, o trabalho, a religiosidade… e o errado. Hoje é  mais horizontal, sabemos melhor que a hipocrisia de nada adianta, não se julga, se compara. Menos ética, mais estética, ou talvez mais etiqueta.

Mesmo com aparentes menores motivos, a virulência das relações entre pais e filhos é um fato. A psicanálise depois de Lacan(1) ressitua a agressividade: ela sai do campo do pulsional, do inefável cadinho dos instintos de morte para o campo do narcisismo. A agressividade torna-se egóica, é para fundar um espaço próprio que se distribui bordoadas à direita e à esquerda. Não é o único caminho mas, quanto menos simbolicamente um sujeito se ache garantido, tanto mais vai apelar para o tacape.

Portanto, não é a distância entre as gerações que pode trazer a agressão que temos visto se disseminar entre pais e filhos, penso que é justamento o contrário. As famílias modernas tendem a viver um “unitempo”, todos “são” da mesma geração, gostam das mesmas músicas, as roupas só se distinguém pelo tamanho, pais e filhos brigam pelo computador ou carro. O cinema e a TV estão cada vez mais produzindo programas para todos. Um bom e recente exemplo é o relançamento de Guerra nas Estrelas, qual é a idade do espectador para quem o filme foi feito? Não se trata de uma infantilização do público adulto nem de uma precocidade das crianças, são produtos culturais para essa idade indefinida da grande adolescência contemporânea. Como então situar uma diferença? 

Dito assim pode parecer um exagero, mas de fato há pouca diferença substancial nos gostos e escolhas feitos por pais e filhos contemporâneos. Isso não é bom nem ruim, não se trata de apelar para um regresso a um tempo em que fossem melhor marcadas as diferenças e sim ter presente as conseqüências de universo que tende a ser vivenciado a um só tempo.

O que aconteceu é que de uma certa maneira não se sai mais da adolescência. A vida segue, envelhecemos e nos tornamos adultos mas o ideal não é mais a maturidade, o ideal é ser adolescente. Nossa geração, acostumou-se olhar para frente em busca do ideal, o bom é o novo, a superação é a regra, tudo é perecível. É preciso perguntar-se o que faz meninas de 15 anos desfilarem a imagem da nova mulher, o que faz a mulher apaixonada balançar pelo jovem imberbe em vez do homem feito, o que faz o homem-lobo trocar a esposa por uma ou duas de vinte… A estética reinante é a roupagem do ideal, pois o hábito faz o monge, e este é visivelmente teenager. O bonito tem o ar frágil e perdido do jovem.

O atrativo desta imagem provém de confundirmos potencial com potência. Atribuímos potência principalmente ao potencial de escolha. É fascinante ver aquele que escolhe o que fazer, a quem e como amar, o modo de vida que trilhará. Parece que o jovem ainda tem todas as possibilidades, e quem ainda não jogou está com todas as cartas na mão, ainda não perdeu nada.

            A postergação do início da vida adulta, o tão comentado prolongamento da adolescência, traduz-se em uma procrastinação da tomada de decisões, da realização de escolhas. O adolescente trintão arrepia na hora de formalizar uma relação amorosa, entra em pânico frente à idéia da paternidade, namora a troca de profissão e gosta de pensar que está recém começando. É em suma um inibido.

Psicanalíticamente falando temos na inibição uma limitação nas funções do eu, diferente do sintoma que propõe caminhos tortuosos aos pontos nodais de uma vida, mas que tortos ou não são caminhos. Podemos pensar que a nossa forma de amar, trabalhar, morar, gozar e gerar são nossos mais amados sintomas, mas reconheçamos que são negociações bem sucedidas, viabilizadoras duma vida.

A bem da verdade os tempos clamam pela constante renovação, é preciso estar disposto a ser superado e aprender novas tecnologias sempre. Seu computador, seu celular, sua televisão, o terminal do seu banco, o microondas, tudo, fará com que lutemos contra a obsolescência a cada dia, sempre há um novo manual de instruções para ler. Isto traz mudanças substanciais na subjetividade, ou apenas nova maquiagem?

Neste caso operamos o inverso do esquema das sociedades tradicionais onde a sabedoria estava atrás, no passado, e de certa forma acumulada em quem tinha idade, o velho era o sábio. Hoje projetamos o saber à frente: o adolescente é quem sabe. Está mais aberto para as novidades tecnológicas, está voltado para o futuro de onde se espera algo que venha a dizer para onde vamos. Aqui se opera o engano mais trágico para o adolescente, pois é com uma crença na obsolescência de seu saber e valores que os pais abdicam de educar os filhos tão logo eles chegam a adolescência, se já não o fizeram antes.

Justamente aqui, penso encontrar na relação com os jovens uma mudança de eixo, modifica-se o esquema de quem tem a aprender com quem. Apenas a título de ilustração, há uma charge do humorista Laerte, na qual um pai (o Gato para quem o conhece ) chega para o filho disposto a conversar sobre o que é a vida, o filho, chamado Messias aliás, olhos postos no canto do video game, diz que já sabe, a vida  são aqueles três coraçõezinhos que aparecem ali na tela, o pai resignado desiste do ensinamento, como se a afirmação do filho tivesse alguma sabedoria que torna a sua obsoleta

Este diálogo absurdo traz a marca do humor justamente para notar a posição de impotência de uma geração frente à outra. Assim como o Gato, temos uma postura curiosa a respeito do que os jovens tem a dizer e ensinar, diferente da antiga postura reacionária, fechada para o novo. Hoje basta escrever ”novo” numa embalagem para que compremos o produto em busca de um novo sabor.

Somos gratos pelas transformações propiciadas pelas descobertas científicas, que tornaram nossa vida mais longa, menos incômoda e trabalhosa. Nada estranho que tenhamos passado a esperar também novidades em outro território de inovações, o dos costumes. Daí também esperamos a longevidade, o aplacamento de nossas dores de existir e a descoberta de um modo de vida mais eficaz na busca da felicidade.       

Curioso é que esquecemos um pequeno detalhe: de que não há mágica, o novo sempre é gerado por um sonho do velho. Os jovens encarnam como ninguém nossas mais recônditas e prezadas utopias. Certamente criticarão o que mais pesa carregar à geração de seus pais, no caso a repressão sexual, a compulsão à corrida fálica e outros. 

Hannah Arendt(2), ensina que o próprio conceito de  revoluções, situado na origem dos grandes feitos da nossa civilização moderna, cria uma impossibilidade de legar a tradição. Visto a experiência ser de transformação, sempre com a marca do novo, do ímpar, da diferença radical com os princípios antes estabelecidos. Fica colocada a questão de como é possível legar a um filho a contestação como herança? Como fundar uma tradição com base na transformação? Afinal, para que seria preciso legar uma tradição?

Assim, mais do que um conteúdo, podemos legar um estilo, o qual, tão etéreo, termina por se traduzir apenas em imagem, a contestação como herança produz um filho fashion, postura da novidade que melhor expressa o espírito revolucionário, renovador. A dificuldade própria de ter que viver na preservação de um estilo que esteja sempre clamando sua imparidade, é revelada pelos dilemas dos novos homens que vivem na constante denegação de sua pertença à massa do imaginário social reinante. Tal pendência relativo às questões da imagem torna a existência bastante trabalhosa, passando muitas vezes a idéia de uma certa futilidade que aliás não é própria só dos adolescentes, mas de todos. Ocorre que as inseguranças adolescentes expressam como ninguém as coisículas de onde extraímos nossas trêmulas auto imagens. 

A própria família nuclear, baseada na livre escolha amorosa, traz já em seu cerne o seu próprio ponto de ruptura, pois deve trabalhar no sentido de libertar a criança de sí mesma. A criança deve ter sua história individual, independente das origens socias e culturais de seus pais. A origem não determinará o tipo de parceiro amoroso, mas também não delimitará um campo profissional, cultural, ideológico, religioso, etc. O pai é a  cada vez mais humana encarnação de um destino possível, não de um caminho a seguir, e é no sentido do preenchimento das lacunas deixadas pelos seus fracassos que o caminho do filho se orienta.                   Eis o paradoxo de pertencer a quem nos ordena a liberdade, mas quero  avançar mais um pouco neste mesmo viés para desvendar mais uma contradição da família nuclear. O passo seguinte é provar que não há paraíso perdido, que não há a saudosa eficiência da família nuclear, ou seja, uma época em que seu funcionamento fosse um berço seguro para nossa vacilante subjetividade.

A família nuclear, cerne da cultura do individualismo, carrega suas contradições desde a própria origem. Nosso discurso queixoso relativo ao pai que tinha autoridade, aos rituais que marcavam as épocas da vida, à mãe que se ocupava do bem estar dos seus, sem sonhos de inserção fálica pessoal, funciona como um contraponto para possibilitar tanto a queixa pela fraqueza do pai atual, pela  inconsistência dos laços sociais e ainda pelo desamparo em que a mãe nos deixou.

O discurso contemporâneo se caracteriza por essa postura queixosa, que tem na vertente  eternamente culpada dos pais a sua melhor representação. Desta forma, todo o tempo dedicado aos filhos é sempre considerado insignificante relativo ao que deveriam destinar-lhes. Os pais hoje julgam-se em profunda falta relativo aos pais que deveriam ser, e tudo o que fazem visa compensar os filhos pelos pais que eles “não tem”.

 Assim, ao considerar-se marginais relativo a uma paternidade idealizada e irrealizável, permite que escorreguem do seu lugar deixando ali uma questão,costumeiramente administrada pela culpa. Alie isso ao voto narcísico de que o filho seja imaculado em sua perfeição, que os transcenda tanto em oportunidades como em facilidades. A operação resultante da  culpa com o inchaço narcísico, gera um amor viscoso e paralizante.

Para os adolescentes viver tem sido uma excursão na selva, só que os guias queimam mapas e deixam os jovens quando muito com a bússola. Esperam que os guiados descubram novos caminhos que supõe delirantemente que serão melhores que os velhos traçados. Os jovens não ficam a sós, ficam solitários, que é diferente, desacompanhados de maiores referências, sem recurso aos mapas, e ainda com a tarefa de carregar junto os amnésicos guias que parecem não querer lembra-se das pedras em que já tropeçaram.

BIBLIOGRAFIA

(1) Lacan, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.,1998

(2) Arendt, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo, Editora Perspectiva, 1992

08/08/96 |
(2)
2 Comentários
  1. Suzy R.C. Farias permalink

    Mario e Diana Corso vocês estão registrados no duplo sentido de meus ‘favoritos’.
    Abço.
    Suzy.

  2. Adriane Schein permalink

    Muito interessante, vai auxiliar na minha pesquisa, obrigada!

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