Amiga, posso te dizer uma coisa?

Sobre a cruledade nas relações entre as mulheres

 Não vacile, responda sempre que não! E jamais faça essa pergunta. Essa frase é senha para uma bomba. Imagine a cena: achamos que uma amiga é apagadinha ou o contrário, parece um pinheiro de Natal; ou então que ela namora alguém que é um atraso na sua vida, que é muito grudada na família, que está deprimida, escondendo-se em casa, que é covarde ou preguiçosa frente aos um desafios, ou ainda que é carreirista e ambiciosa demais, assim por diante.

 A conversa rola e tangencia uma questão delicada, a nossa amiga queixa-se da vida amorosa ou dos pais, dos fracassos, da solidão, do tédio. Essa parece ser a hora que estávamos esperando, de dizer o que ela não quer enxergar. Já tentamos algumas entradas mais sutis, mas ela não mordeu a isca, não quer se questionar, pelo jeito só nos resta invadir com os tanques.

Vejamos a mesma situação desde o outro lado: estamos desabafando com uma amiga, queremos seu apoio, sua concordância, mas ela não tem pena, não compartilha nosso ponto de vista, então ela faz a perguntinha. Estamos num vácuo espiritual e, como que num pedido der ajuda, respondemos que sim. Eis que a fragilidade de uma é premiada com a sinceridade da outra, a coisa certa dita na hora errada.

Conselho de amigo é fundamental, mas a gente só escuta quando quer. Amigos são amores coadjuvantes, não são para casar, mas têm que ser fiéis para amar-se e respeitar-se, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. A amizade precisa e comporta a sinceridade, mas sob a forma da brincadeira, dos resmungos ou até das brigas sobre as tantas coisas que odiamos no outro. Mas as brigas passam, porque a amizade é um amor com redução de danos, é uma relação baseada na tolerância, coisa de que nós mulheres não somos muito capazes umas com as outras.

Ser mulher tornou-se um tipo de solidão, somos impacientes e temos dificuldade de trocar afeto entre nós. Cada geração de mulheres acha que tem que superar a anterior, pouco espera aprender com as velhas e tampouco sente que tem algo a dizer às mais jovens. Portanto, raramente admitimos apoiar-nos em mães ou avós. Falta-nos, então, essa experiência primordial de respeito mútuo para que a amizade feminina possa beber nessa fonte. Além disso, nem sempre nos temos em alta conta, por séculos fomos tidas como infantis, supersticiosas, fofoqueiras, ardilosas ou, no mínimo, perigosas.

É mais fácil ver os defeitos da amiga que os nossos, sua fragilidade ou ingenuidade nos é insuportável, tanto quanto são irritantes a nossas próprias. A maldade travestida de sinceridade entre as mulheres é efeito desse isolamento entre as gerações e da nossa crônica insegurança. Cá entre nós, há lugar ao sol para todas, não precisamos nos sentir como adversárias para valer alguma coisa. Por isso, dá para falar tudo, mas sem tanques, que a vida já tem muitos deles.

01/04/07 |
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