Apressados

Se não sabes onde vais, por que teimas em correr?

Quando estou apressado lembro de um conselho de meu avô: “estás com pressa? Então faz devagar, pois só farás uma vez!” O conselho é bom, tentando ser rápidos atropelamos as maneiras corretas de proceder e o preço é refazer ou desgastar a experiência. Premidos pelo horário engolimos a comida. Como fica sem gosto, comemos em dobro. Correndo não vemos a paisagem nem o carrossel de pedestres. Afobados não escutamos os outros. Mesmo os ruídos internos são abafados, nos distanciamos até de nós mesmos. A pressa é angustia maquiada.

A marca da nossa época é a velocidade. A indústria revolucionou a maneira de fazer objetos e a forma de encarar o tempo. A ordem é: mais produção em menos tempo. O trem, o automóvel e o avião encurtaram o mundo e a internet o fez ainda mais próximo. Isso tudo é bem-vindo, mas é bom lembrar que esse é o modo de funcionar da máquina, não o nosso. Intimamente nada mudou, para pensar e sentir ainda somos os mesmos. Para aprender e assimilar os golpes da vida, o tempo cobra o mesmo preço. O mundo nos exige a velocidade da máquina, mas às vezes somos nós que nos espelhamos em nossa criação e queremos ser como ela: rápida, eficiente e sem sentimentos.

Existe um fado onde Amália Rodrigues canta: “se não sabes onde vais, porque teimas em correr.” A sutileza do verso capta outra dimensão da pressa: ela coloca sentido onde não há. Quem não sabe para onde vai, corre a modo de formatar o caminho. O apressado parece ocupado, sério, um trabalhador orgulhoso de sua missão. Nove entre dez vezes, é apenas um desorganizado, atabalhoado, querendo nos fazer crer o contrário. Mascara com velocidade o vazio de sua missão, quando não, dele mesmo.

O novo DSM-5, a bíblia da psiquiatra americana, recém saído do forno, estipula em duas semanas o prazo para avaliar a passagem do luto normal ao patológico. Veja só, uma vida inteira ao lado de alguém e ficar arrasados por mais de quinze dias nos deixa sob suspeita. A dor de perder os pais, um filho, um amigo, agora funciona na lógica da legislação trabalhista. Pelo jeito a pressa, contingência de nossa época, subproduto da ordem industrial de conceber o mundo, virou parâmetro de normalidade. Pessoalmente creio que nos pedem um coração de lata, só assim para se despedir tão rápido.

13/06/13 |
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6 Comentários
  1. Sidnei permalink

    Gostei muito do texto. A aproximação temporal do trem, automóvel, avião, internet me parece perfeita, é um curto hiato na história. E que nos digam que devemos ser ligeiros não implica que tenhamos que obedecer feito máquinas, né? A propósito sigo sentindo falta de minha avó Eva há 13 anos. Estou catalogado?

  2. Lucia Helena Reus permalink

    Na cidade da minha infância, as viúvas usavam luto por anos, e nem por isso eram qualificadas de doentes. Aliás, era considerado um elemento importante neste ritual de descolamento do marido que se vai e durava, em certos casos, toda a vida! Mesmo assim, levavam suas vidas com certa tranqüilidade e marcavam este espaço de perda.

  3. Moacir Lourenço permalink

    Gostei do trecho em que compara o tempo do luto com a legislação trabalhista, nada mais sensato, pois até a perda de emprego vivido por tantos anos dentro de uma empresa também pode nos fazer sentir uma especie de luto quando saímos dela.

  4. Heloisa Marcon permalink

    Oi Mario, saudades desse pago…rsrsrs.
    Lembrei de um filme do Woody Allen antigo – acho que Manhattan- em que ele está caminhando no Central Park e se impressiona que estão todos correndo – fazendo jogging- e tira o maior sarro desses que correm, justamente se perguntando onde querem chegar e depois das gordinhas que correm – sim, ele não é politicamente correto – comentando algo do tipo, “pra que isso, era mais fácil serem carregadas por carrinhos. ..”. Pois, então, aqui em Paris é a mesma coisa, eles correm, caminham apressados…. rumo ao que? Ao próximo bistrot…rsrsrs
    Beijos

  5. fabiane angelita steinmetz permalink

    e quando mostramos ser pacientes somos um defeito de fábrica! quando a fila não nos incomoda a tal ponto de sapatear,quando no trânsito podemos ouvir aquela bela canção carregada de nostalgia! enfim, calma e tolerância na contemporaneidade é para poucos! ouço as pessoas dizerem que isso se deve ao capitalismo,acho que se deve ao fato de as pessoas aderirem a tal forma de vida sem se dar conta devido à pressa,hehe!

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  1. Apressados | Carambolas Azuis

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