Cada tempo com a presença de que se precisa

Será que um dia a comunicação digital fará parte naturalmente de setting analítico?

A importância do atendimento presencial para a psicanálise é o tema deste artigo produzido pela psicóloga Diana Lichtenstein Corso especialmente para a EntreLinhas, revista do Conselho Regional de Paicologia.

A psicanálise é um encontro estranho, que viola todas as regras convencionais da etiqueta do convívio, mas ainda acima de tudo é um encontro. Os interlocutores falam muitas vezes sem olhar-se nos olhos, os silêncios são parte do diálogo, momentos em que alguém pode parar para pensar na presença do outro sem que isso gere maiores incômodos. Em um encontro social, se ficamos em silêncio, impactados pelo que dissemos ou escutamos, isso é no mínimo constrangedor, já em uma sessão analítica os momentos quietos fazem parte do ritmo do diálogo.
Esses momentos quietos não são tão comuns como se imagina no anedotário da psicanálise, onde se repre-
senta um analista mudo, olhando no relógio e tomando notas e um paciente falando meio sozinho. Embora não sejam a maior parte de uma psicanálise, faz parte poder estar juntos, escutando o ritmo da respiração e os barulhinhos do ambiente. É por isso que, mesmo quando uma psicanálise não está passando pelos seus momentos mais eloquentes, continua sendo um encontro, onde se suporta tanto o ritmo no qual um paciente consegue se expressar, quando o tempo necessário para que o analista diga algo que seja realmente interessante.
Nesses encontros, o simples fato de estar juntos, acompanhando-se, testemunhando-se, sentindo o aconchego da rotina dos encontros, já produz efeitos terapêuticos. Por isso, acredito que o atendimento virtual, quer seja via imagem, para os pacientes que trabalham “cara a cara”, ou telefônica, para os trabalhos “de divã”, é viável apenas como uma continuidade do trabalho presencial, quando seu uso se faz necessário.
Sei que há colegas que já empreendem atendimentos que são quase totalmente virtuais, ou mesmo total- mente virtuais, mas não posso depor sobre isso por falta de vivência. Jamais comecei um trabalho assim, sem nun- ca ter me encontrado com o paciente em termos físicos, reais, só me ocorreu de empreender esse tipo de trabalho quando algum paciente precisa que nos encontremos e isso não é possível pela distância e algum impedimento para que ele se desloque. Já ocorreu por períodos da vida de algum paciente, que passou a morar longe ou que mora longe e não está conseguindo viajar, ou mesmo de forma alternada, também com pacientes e supervisionandos que a distância física nos barra o encontro regular.
Outra modalidade de recurso à comunicação virtual é com os adolescentes que já estão em atendimento e que por vezes se atrapalham com os horários ou estão com dificuldades para sair de casa, nesses casos é preciso que a montanha vá até Maomé, buscando os meios possíveis, quer por telefonemas, com imagem ou sem, quer via mensagens trocadas com agilidade, para presentificar-se dentro do que eles estão podendo suportar. Não é raro que com os adultos, em determinadas fases ou momentos isso também
aconteça, às vezes uma sessão vira uma troca de mensagens.
Como sinto limitações nesses momentos, tanto para respirar o mesmo silêncio nos telefonemas ou sessões virtuais com imagens, quanto para fazer essas trocas de mensagem surtirem um efeito mais significativo, acabo considerando esses encontros virtuais um pouco menores do que os presenciais. Mas penso que aqui há algo de geração, em que me sinto em processo de ser talvez superada.
Houve épocas em que uma análise ocorria todos os dias, os pacientes de Freud mudavam-se para Viena e dedicavam-se às suas análises que eram mais curtas e intensas. Hoje um processo prolonga-se ao longo de mais tempo, numa rotina mais pausada, com intervalos maiores entre as sessões, não mais se suspende uma vida para pensá-la, agora vamos vivendo e tentando elaborar o que está nos ocorrendo ao mesmo tempo.
Se a experiência psicanalítica pôde modificar-se tanto assim, considerando também que para as novas gerações o espaço virtual não é sentido como algo assim tão diferente do presencial, não vejo por que considerar que a absorção do virtual ao setting analítico não acabaria sendo incorporada. É um exercício de futurologia, pensando na psicanálise sendo exercida entre gente nascida já em sua vigência, que sente -se mais cômoda no ambiente virtual do que eu. Para mim é algo menor, mas para estas novas gerações que têm seus telefones e computadores como espaços genuínos de encontro, veremos como será.

3 Comentários
  1. Lilian Nakamura permalink

    Mario,
    Interessante reflexão ! Entretanto não acredito só que seja a diferença de geração que cause estranheza .Talvez caiba pensar no que muda na transferência , já que fica suspenso o que poderia ser posto em ato na presença do analista ! O que você pensa sobre isso?

  2. Lilian Nakamura permalink

    Bem , percebo que me confundi quanto a autoria me desculpe Diana !
    Diana , aproveito a oportunidade para endereçar – lhe a questão:
    Interessante reflexão ! Entretanto não acredito só que seja a diferença de geração que cause estranheza .Talvez caiba pensar no que muda na transferência , já que fica suspenso o que poderia ser posto em ato na presença do analista ! O que você pensa sobre isso?

    • Diana permalink

      práticas muito recentes, né… ainda temos que falar sobre isso na medida em que se vai vivendo…
      abraços
      Diana

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