Cinderelas, com uma pequena ajuda das amigas

Sobre o livro de André Gorz

Como Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha, Cinderela também sonhava com um príncipe e achava que seu valor dependia da suntuosidade das suas roupas. Através das suas aparições e fugas do baile, das pistas que deixava como rastro a cada noite, a princesa saída das cinzas ensinou sucessivas gerações de meninas a fazer o jogo da sedução. Sex and the City, o filme, é uma comédia romântica que parece ser mais uma versão da história clássica da Cinderela, embora de borralho as moças de Nova York entendam pouco. Nesses filmes a tarefa central das personagens é encontrar um príncipe encantado, mas nesse há um toque a mais: é a amizade, o amor fraterno, que sai consagrado no fim. 

 

A Fada-Madrinha na história clássica significava algo que já não vale tanto para nós: as lições da feminilidade transmitidas de mãe para filha. Como geração após geração as mulheres tendem a superar-se em possibilidades e liberdades, o exemplo das ancestrais pode até ser inspirador, mas pouco instrui as sucessoras. A sabedoria sobre o que é atraente numa mulher é suprida pelos ditames da moda e do mercado, quais são as marcas certas, quanto custam e onde adquirir. Já a magia, essa depende do limite do cartão de crédito.

Essas quarentonas nova-iorquinas fariam eco àquela música que as Spice Girls cantavam nos anos noventa: if you wanna be my lover, you gotta get with my friends algo como “se você me quer, vai ter que aturar as minhas amigas”. Quanto ao príncipe… bem, frequentemente ele é passageiro, enquanto, segundo as Spicefriendship never ends.

O filme é uma espécie de epílogo da série, transcorre nos momentos decisivos e após o “felizes para sempre” e é aí que as amigas ensinam o exercício da solidariedade e da tolerância. Elas abrem mão do hedonismo para priorizarem-se na vida umas das outras. São diferentes entre si, como várias facetas da mulher (meio tarada, mas também tradicional, rígida, mas irreverente), e nem sempre são coniventes com os defeitos das outras, por vezes tampouco sabem ser muito construtivas, mas, o que é fundamental, não se consideram descartáveis. Mais que o amor, a amizade é que se candidata a ser até que a morte as separe.

Num tempo que homens e mulheres sabem que não há mais lei ou religião que os condene a viverem juntos até a morte, os casais estão pouco dispostos a perdoar as falhas de ambos os lados. Mais que isso, em geral suportam muito mal que o outro não seja idêntico à fantasia que se fez dele, não se lhe toleram as vacilações, os problemas que se repetem. Já os grupos de amigos, e as séries de televisão dedicadas a eles são sucesso garantido, sabem apoiar sem críticas e criticar sem deixar de gostar. Neles tem se depositado toda a confiança que o amor não inspira mais. Já diziam os rapazes daquele grupo de amigos de Liverpool get high with a little help of my friends, we gonna try

01/08/08 |
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