Diz que me ama, olha pra mim!

Sobre a capacidade de ficar só

Maldito dia dos namorados: todo ano a choradeira é igual. Os solteiros se lamentam, por motivos óbvios, os comprometidos também se queixam do pouco amor recebido, e até os mal acompanhados descobrem por que ainda não se separaram. O mundo parece gritar que o amor é tudo. Provavelmente, esse coro de insatisfeitos (ao qual pertencemos, sim, sempre ou de vez em quando) está pedindo do amor o que ele não tem para dar. O amor anima, mas não completa. Esqueça daquele papo de meia laranja ou alma gêmea. Para sermos menos lamurientos, precisamos ter a capacidade de estar sós.

Estar só é diferente de ser solitário, ficar confinado, eremita, ser abandonado. O psicanalista inglês Winnicott usava a expressão “capacidade de estar só”, dizendo que muito se havia escrito sobre o medo, ou mesmo sobre o desejo de ficar só, mas nada sobre a capacidade de fazê-lo. A imagem que ele nos deu para ilustrá-la é a dos momentos em que uma criança bem pequena brinca sozinha e distraída do mundo, estando na presença de sua mãe. Com o tempo, a figura da mãe, e toda a proteção que ela representa, vai-se transferindo de fora para dentro, vamos construindo a identidade necessária para suportarmos estar a sós. Afinal, se sabemos que somos alguém, nós mesmos não somos tão má companhia. Mas, se isso fosse fácil, não se exigiria tanto do amor.

Diz, mais e mais, que me ama! Pensa em mim o tempo todo, olha pra mim, mas só pra mim! A paixão nos deixa como a criança que não consegue se distrair da presença da mãe, não brinca, fica só chamando sua atenção. Na verdade, quando o fogo da paixão se aplaca, os amantes ficam livres dessa dependência visceral um do olhar do outro. O amor não acaba quando reencontramos nossa capacidade de estar a sós: provavelmente, é aí que ele mostra sua vitalidade: ocorre apenas que o ser amado está bem guardado. Está lá sem que a gente precise conferir o tempo todo.

Então, por que queremos estar sempre apaixonados? Se esperamos tanto do amor, é por que nos sentimos demasiado frágeis, e é duro acreditar que é dentro de nós mesmos que deve haver um abrigo seguro. Eu tenho uma imagem desse lugar para estar só: era embaixo da mesa de um quarto que tive quando criança. Ela tinha apenas uma perna, de tal modo que um lençol jogado por cima tornava-a uma espécie de cabaninha, minha árvore particular sob a qual eu me escondia para brincar, a construção de um espaço para ficar sozinha e me sentir bem. Se fosse fácil, eu não precisaria me entocar, nem seríamos uma sociedade tão romântica…

Certos amantes são como os bebês brincando de esconde-esconde, que ficam ocultos atrás da cortina. Naquele vulto visível de pano reina a expectativa do júbilo de ser descobertos e o pânico da solidão: serei esquecido aqui para sempre? Uma idéia é parar de queixar-se, construir uma cabaninha para onde recuar e tentar lembrar-se de que existimos mesmo quando não tem ninguém olhando.

01/06/08 |
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Um Comentário
  1. Marina Bellini permalink

    Muito lindo este texto

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