Homenagem a Mauricio de Sousa na Feira do Livro de Porto Alegre (Por Mário e Diana Corso)

Dia 07 de novembro de 2014, o cartunista Mauricio de Sousa foi homenageado na Feira do livro de Porto Alegre. Tivemos a honra de redigir o texto que lhe foi lido na ocasião, boa oportunidade para agradecer pela sua presença na infância de todos nós!

Não é nada difícil saber quem é Mauricio de Sousa, ele está a céu aberto em seus personagens. Quem lê até pensa que são seus filhos que estão na sua obra e, sim, de fato estão, mas principalmente nela encontramos as diversas conjugações do seu criador.

Mauricio é Chico Bento, esse Pedro Malazarte adocicado. Resgata seu passado no interior, sua conexão com o Brasil rural. Chico é só aparentemente tosco. É aluno esforçado, mas sempre longe do reconhecimento da professora. Ele lembra o tanto que a vida prática ensina, por fora do quadro negro, longe das tecnologias e das supostas espertezas dos que moram na cidade grande.

Mauricio é Bidu, seu alter ego filosófico. Um cachorro que está sempre colocando-se questões sobre a existência. É um observador tão arguto do comportamento de humanos e caninos, muitas vezes uns fantasiados dos outros, que sociólogos e psicólogos poderiam encontrar em suas aventuras e ponderações motivos para refletir.

A fragilidade de Mauricio se expressa em Horácio. Ele é um dinossaurinho fruto de um ovo chocado ao sol, símbolo da nossa orfandade e inadequação. Afinal, nós brasileiros somos como  ele, que sente-se todo errado por ser um tiranossauro pacífico e vegetariano. Horácio não seguiu seu destino genético, nem nós, pois nossas origens apontam para todos os lados. Não somos exatamente nada, miscigenamos inúmeras referências, e com Horácio descobrimos que por isso mesmo podemos ser tanta coisa.

Mauricio é corajoso e não tem medo de assuntos difíceis. Conseguiu um olhar delicado e verdadeiro sobre a loucura. O Louco, com seus delírios surrealistas e poéticos, encara o mundo a partir de outra lógica, sonha acordado. A Morte também não é um tabu, é uma personagem, que cumpre sua missão de abordar o inevitável e o que assusta, contando para isso com a ajuda da turma assombrosa do Penadinho. Desse modo, os limites da razão e da vida não se tornam fantasmas apavorantes, eles podem ser abordados com a proteção da fantasia e do humor.

Mas Mauricio sobretudo é o Cebolinha, irmão mais velho da turma, por ter sido o primeiro. Perseverante em sua coragem sem fundamento, ele perde para Mônica todas as vezes mas nunca desiste. Em sua cruzada quixotesca ele acredita na vitória da inteligência sobre a força física. Sabe que no fim da história sempre vai apanhar, mas sua mente insiste em trabalhar em  mais um plano genial, pois falta-lhe cabelo na mesma proporção em que sobram-lhe ideias. Quem faz cultura neste país tem que ter algo de Cebolinha, pois sabe que vai apanhar muito até dar certo. E pode também apanhar justamente por ter dado certo…

Mauricio está também no Cascão, o melhor e mais sujo amigo do Cebolinha. É fóbico de água, como todos nós que temos grandes medos de coisas triviais. As crianças somente são mais sinceras a esse respeito. Cascão tem uma alma límpida, é capaz de grandes gestos fraternos. A sujeira de fora, descobrimos, não reflete a de dentro: as crianças fazem muita bagunça, espalham e recobrem as superfícies que encontram seja com baba, comida ou tinta, mas a sujeira delas não é nada. Por isso o poluidor Capitão Feio é grande como nós, pois é preciso ser uma pessoa grande para fazer algo realmente sujo. Os artistas são, nesse ponto, sempre crianças, recobrem o mundo com suas cores, metáforas, com a imaginação que deixa tudo mais interessante de se ver, cheio de vida.

Mauricio está também na sua Mônica, uma das pioneiras do feminismo nos quadrinhos. Ao contrário das mamães da turma, uma geração ainda dedicada ao trabalho doméstico, para ela não há barreiras. É forte e o exercício do poder parece-lhe natural. Mônica manda em todo mundo, mas nunca usa isso para o mal nem tem ganância de poder, como é o caso de seu rival semi-careca.

Mauricio confia nas novas gerações de trabalhadores e líderes femininas, pois Monica e Magali são justas, compreensivas e ambas estão longe da imagem de fraqueza associada às mulheres. Monica representa a força natural delas e Magali a intransigência dos seus desejos. Nunca contrarie uma mulher, porque ela é naturalmente forte, franca e obstinada, parece dizer. Respeitá-las assim é como utilizar do feminino seu melhor lado: escritores são também, nesse ponto, femininos, desenvolvem uma sabedoria oriunda das sutilezas das pessoas e da vida aparentemente banal. Um olhar tão profundo sobre a verdadeira infância teria sido impossível sem um acesso ao tipo de inteligência desenvolvido pelas mulheres.

Já a gula da Magali não é do Mauricio, é de todos nós com essa obra aberta e imensa que é a vida em quadrinhos da turma do Bairro do Limoeiro e tantas outras. Seremos para sempre insaciáveis de mais e mais histórias. Quando crianças, conseguimos consumi-las em quantidades estratosféricas e estamos sempre querendo mais. Sempre há lugar para mais uma revista da Turma da Mônica, mesmo que tenhamos crescido. Se as crianças são o futuro de um país, as nossas já nascem abastadas, herdeiras da fortuna imaginária criada por Monteiro Lobato e Mauricio de Sousa. Graças a eles somos de muito melhor prognóstico.

09/11/14 |
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Um Comentário
  1. Camila permalink

    Texto adorável!!!

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