Meu padrasto favorito

Por que dá tanto medo de ser pai?

Véspera de mais um, comercialmente exaltado, dia dos pais, estréia a sequência de “Meu Malvado Favorito”, filme de animação lançado em 2010. Trata-se da história de um vilão que encontra a redenção e o sentido da vida através da paternidade.

Como parte de um plano delirantemente maligno de sequestrar a lua em troca de resgate, Gru adota três meninas órfãs, que planeja usar para invadir a fortaleza de um vilão rival. Só que ele está mais para desprezível do que para mau, como sugere o título original: “Despicable me”. Na verdade é um tipo mal-humorado, um fracasso até mesmo entre os vilões. Somente um exército de Minions, pequenos e engraçados seres amarelos que trabalham para ele, o endeusa.

O convívio com as meninas o amolece e lhe faz viver experiências de felicidade inéditas. A menorzinha delas, pouco mais do que um bebê falante, é inocente a ponto de não ter medo dele e assim derrete o gelo do padrasto contrariado. Ele pretendia devolvê-las ao orfanato, o que obviamente não consegue fazer. O papel da pequena Agnes é similar ao de Boo, de “Monstros S.A.”, que transforma tipos assustadores em protetores dedicados. O mesmo vale para o bebê extraviado de “A era do Gelo”. Essas histórias são todas herdeiras da versão Disney de Mogli, de 1967, onde o garoto conta com a proteção paternal de dois animais machos e supostamente ferozes, uma pantera e um urso.

São tão recorrentes as histórias de pais vacilantes que precisamos perguntar-nos o que é tão assustador na experiência da paternidade, a ponto de que seja uma aventura chamar os homens ao papel. A resposta não é difícil: ser pai antigamente era simples e direto, hoje é tarefa de extrema complexidade e êxito duvidoso.

Em primeiro lugar, desapareceu a senhora do castelo montado em torno da figura do patriarca. A mãe está muito ocupada para intermediar a relação de pai e filhos. Ele que estabeleça um vínculo por conta própria. Quanto ao prestígio e poder do questionável chefe de família, bom, ele que o conquiste, se tiver cacife para tanto. Ela não o promoverá com nenhum tipo de submissão servil. Já os filhos, outrora súditos por excelência, hoje são um exército rebelde, anarquista, cujo respeito deverá ser obtido com muita lábia. Nenhum poder na família se estabelece sem uma ferrenha oposição. Deveríamos nos estranhar de que a ficção infantil relate o trabalho e a sedução necessários para convencer um homem a ser pai?

Em defesa da categoria dos pais, faço eco com o filme: aquele que aceitar o encargo tenderá a sentir-se muito menos desprezível aos próprios olhos. Antes de ajudar os filhos a crescer, será preciso aumentar a própria envergadura, necessária para prometer uma proteção na qual só se acredita sendo pai. Pouco podemos contra os tantos perigos e contratempos que ameaçam nossos filhos, mas faremos nosso melhor e com isso também nos tornamos maiores. Por isso, aqui vai minha homenagem a todos, pais, padrastos, padrinhos, homens e por vezes também mulheres que aceitam essa missão quase impossível.

2 Comentários
  1. Simone Paulon permalink

    Belo texto, Diana! Contundente, preciso e altamente elucidativo de uma realidade contemporânea que, de um jeito ou de outro, diz respeito a todos nós.

  2. Eu como Pai só tenho a te agradecer pela homenagem.
    Adorei essa frase
    “Antes de ajudar os filhos a crescer, será preciso aumentar a própria envergadura”

    Isso é um fato na atualidade é tão massacrante vencer a si próprio nas angústias e nas realizações quanto mais ser forte para se servir de exemplo. Que bom que hoje em dia também se permite falar mais com os filhos para que eles entendam que Pai é um cuidador e não um super herói. Isso já tira uma boa carga das costas mas não exime das responsabilidades.
    Abraço

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