Cultura Infanto-Juvenil
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Barbies Monstruosas

Seja você mesma, seja única, seja uma monstra! (interpretando as Monster High)

Frankie Stein é uma garota interessada em moda, só tem um inconveniente: as vezes se desmonta. Sem problemas, depois se recostura. Draculaura é uma vampirinha vegetariana que precisa lidar com a dificuldade de não se enxergar no espelho, enquanto Clawdeen Wolf tem problemas que não há depilação no mundo que resolva. Um dos amigos destas e de tantas outras garotas diferentes é Jackson Jekill, que evidentemente sofre de dupla personalidade.

Essas personagens são bonecas, você já deve ter visto alguma nas mãos de uma menina ou em uma vitrine de loja, fazem parte da coleção das Monster High, produto da Mattel. Elas servem para brincar de vestir e desvestir como qualquer boneca. Poderíamos, por isso, colocá-las na vala comum dos brinquedos que servem mais para ostentar e para garantir a transmissão dos clichês femininos do que para brincar. Porém, seria uma pena fazer isso sem parar para olhá-las melhor.

Por trás da sua aparência de patricinhas, essas bonecas importam algo das conquistas do universo do Shrek para dentro dos tradicionalmente estereotipados brinquedos para meninas. Mesmo quando confinadas ao universo restrito de roupa e casa das Barbies, definitivamente, nossas meninas já não são as mesmas. Pelo menos na aparência. Claro, nem todas as barreiras caem, infelizmente as Monster High são todas magérrimas, a gordura ainda é imperdoável até entre as monstras.

As crianças contemporâneas têm insistido em seu gosto pelo susto, assim como pelo monstruoso, pelo que é feio. O ogro verde mostrou que o feio pode ser bem mais bonito, que o desejo de perfeição e a discriminação ao que foge do padrão podem ser a verdadeira feiura, que o que dá medo pode ser interessante. Além de que as pessoas de verdade fazem pum, têm chulé, mexem no nariz e isso não as torna monstruosas.

O medo é um importante instrumento para organizar o mundo: através dele classificamos o que é perigoso e o que é confiável, o que é seguro e o que inspira cuidados. Sabendo o que temer podemos também relaxar quando estamos longe e a salvo do que nos apavora. O medo nos livra da angústia que é mais insuportável. Por ser constituída de sensações vagas, portanto não ter um objeto claro que represente a ameaça, ela nos deixa reféns de tudo, é puro sofrimento. Quando elegemos algo para ter medo nos livramos dela.

As Monster High são uma amálgama de todos esses elementos: as bonecas tradicionais, a importância do susto, a abertura aos diferentes padrões de beleza e de comportamento. Vampiros, múmias e zumbis são mortos, lobisomens são obrigados a se comportarem como animais, frankensteins são assustadoramente remendados: como vemos, maldição e morte estão longe de serem tabus para as crianças contemporâneas. Elas deixam explícito seu gosto pelo terror, assim como pelo monstruoso, pelo que é considerado feio. Como os mexicanos que no seu Dia dos Mortos brincam e festejam com o que mais tememos, as crianças estão nos lembrando que não adianta colocar o que assusta, questiona e impressiona para baixo do tapete, pois aí sim é que vai nos assombrar. Seja ativo com o medo, como diz o lema do grupo: “Be yourself, be unique, be a monster”.

Ora, um dos temas de quem está transitando entre o fim da infância e entrando na adolescência, ou seja, o árido e áspero território da puberdade, é justamente a questão da imagem corporal. Nesse momento estamos mais frágeis quanto ao lugar que nosso corpo ocupa, e como somos vistos pelo outro. É a época da feiura, senão real pelo manos fantasiada, e também quando afloram problemas de dismorfofobia (ver-se deformado). São também comuns versões mais brandas desse litígio com o próprio corpo, como por exemplo engordar de tal forma que as curvas sexuais fiquem borradas e com o corpo ainda não tão sexuado como o corpo infantil que foi recém abandonado, assim como emagrecer a ponto de eliminar todos os volumes. Enfim, que uma boneca traga esse tema, que capte o mal-estar com o corpo da puberdade não é de se espantar, poderíamos até pensar o contrário, como que elas só chegaram agora.

Outra questão que as Barbies e outras bonecas não trazem é a forte marca da herança. Essas senhoritas monstruosas são como seus pais, trazem na carne uma história que não se pode negar. Embora em nosso tempo a maior parte das pessoas se iluda que devemos ser desenraizados de nossos pais, fazermos nós mesmos nossas trajetória, é óbvio que não partimos do zero.

De certa forma, o peso dos nossos pais é uma maldição a carregar. Entenda-se maldição dentro do universo das crenças contemporâneas, se negamos a sociedade tradicional, onde éramos uma continuidade lógica dos nossos antepassados, hoje eles são um pesadelo para nossa tarefa de construir-se por si mesmo. Essas bonecas retomam o peso da origem que recalcamos com tanta força. Na verdade, só admitimos uma herança no terreno formal e frio da genética, mesmo assim sob a forma de doenças herdadas, portanto, persiste a ideia da maldição. Pelo menos as crianças estão se permitindo brincar de serem marcadas por um destino

Os clichês da identidade feminina não vão cair do dia para a noite, mas enquanto meninas não costumam brincar de carrinhos, nem meninos de boneca, essa profanação estética ao modo de Barbies monstruosas já vem a calhar. Meninas também querem acesso livre ao mundo monstruoso e fantástico, chega de cor de rosa, que já não condiz com o tipo de mulher corajosa, franca e guerreira que irão se tornar. Por que não, então, brincar de bonecas no trem fantasma?

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O que nos maravilha em Alice?

Sonho e infância para todas as idades

Alice, seu País das Maravilhas e suas aventuras Através do Espelho, seguem angariado legiões de fãs e estudiosos. Eles encontram em suas linhas todo tipo de sabedoria e maluquice: desde complexos enigmas matemáticos até não menos cabeludas patologias psíquicas. Discutem-se essas inferências praticamente desde sua publicação, em 1865. É inútil colocar mais lenha nessa fogueira, que deve ser deixada aos cuidados dos ativos membros das diferentes Lewis Carroll Society distribuídos ao redor do mundo todo, especialistas na matéria. A pergunta que nos colocamos aqui é bem mais simples do que as que inquietam esses nobres estudiosos: o que faz essa personagem ser tão tocante para tantos, por tanto tempo?

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Por que as crianças precisam de histórias?

Revista Mente&Cérebro, ano XVI, número 197

Fantasiada, com todas as cores que capta lendo e vendo,

a criança entra no meio de uma mascarada e também participa dela.[1]

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Eu me inscrevo, me descrevo: escrevendo em mim

Sobre tatuagens e outras marcas corporais

O hábito de enfeitar o próprio corpo com cicatrizes e pigmentos é trans-cultural e milenar, e agora é moda juvenil no mundo globalizado. As tatuagens, que costumavam ser de uso eventual na população em geral, e de uso massivo apenas em grupos marginais e de instituições fechadas, ganharam um novo e amplo público nessas últimas duas décadas. Os piercings acompanharam a tendência, e em menor escala, mas nessa mesma direção, as escarificações para fins decorativos e os implantes subcutâneos.

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Yabba – Dabba – Doo, os Simpsons chegaram!

Sobre o filme Os Simpsons e sobre a família do século XXI

Imagine algo que passe a seguinte mensagem: os norte-americanos são ignorantes; não passam de um povo consumista e impulsivo; sua polícia é idiota e truculenta; os políticos são despreparados, corruptos e oportunistas; o judiciário perde-se em questões irrelevantes; o ensino é deficiente; a população é mal-educada e grosseira; a religião é de fachada e retrógrada; os executivos só pensam em lucro e são os verdadeiros donos do poder; a hipocrisia é a tônica das relações sociais, além disso se alimentam como porcos, bebem demais e estão poluindo descaradamente o planeta. De quem é esse discurso?

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Nárnia: crônicas da infância em tempos de guerra

Sobre o filme As Crônicas de Nárnia, intersecção entre fantasia e história

Estamos na Segunda Guerra, Londres é intensamente bombardeada, não há casa segura. O governo tenta minimizar as perdas humanas evacuando as crianças para as áreas rurais. Especialistas são convocados para saber qual a idade mínima para afastar mãe e filho sem danos irreversíveis. Os psicanalistas Winnicott e Bowlby acreditam que até os dois anos de idade é melhor expor-se aos bombardeios do que se separar da mãe. O resto das crianças vai para o interior, mesmo que em situações improvisadas. Dos males o menor. Esse é o pano de fundo do primeiro movimento do filme As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa dos Estúdios Disney, que conta o primeiro livro do universo de C. S. Lewis.

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A infância invade o conto de fadas: sobre os 200 anos de andersen

Interpretação psicanalítica dos livros de J. K. Rowling

Mesmo que nunca tenha lido Andersen você o conhece. Talvez apenas não saiba a quem endereçar a gratidão por ter-se embalado nas suas fantasias. Qualquer um de nós já sofreu com a história do Patinho Feio ou se divertiu quando a criança disse que o monarca estava nu em a Roupa Nova do Imperador. Por terem elementos dos contos folclóricos, suas histórias às vezes se confundem com eles, como se também fossem milenares, por isso muitas vezes não são creditadas ao seu criador. Se fosse vivo, provavelmente Andersen tomaria esse equívoco como o maior elogio a sua obra.

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Anatomia de Harry Potter

Interpretação psicanalítica dos livros de J. K. Rowling

Harry Potter revelou uma massa de crianças leitoras, cujos números não cansam de ser citados (quantas páginas, traduções, exemplares), porém as razões para tamanho apreço de seu público não foram suficientemente explicadas. Podemos dizer o óbvio: é bem escrito e a autora não cai na cilada comum de considerar as crianças como menos exigentes para com a literatura. As histórias são complicadas, com personagens complexos, viradas surpreendentes e todo um universo de fantasias criado para uso exclusivo do livro. Bem, outros autores já fizeram isso e nem sempre com os mesmos resultados, afinal, criar dimensões mágicas é  lugar comum na literatura para esta idade. Então, o que faz a diferença?

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Turma da Mônica: um por todos e todos em um

Sobre os 40 anos da personagem Mônica, aspectos psi

Partimos de uma certeza: a Turma da Mônica é onipresente entre as crianças brasileiras e já está fazendo sua segunda geração de leitores mirins. Os pais que hoje compram as revistas para seus filhos leram a Mônica quando crianças. Gibi é para ler e para olhar, por isso não há uma idade definida para se familiarizar com suas histórias, pode se começar bem cedo. Muitos firmam a alfabetização justamente nos quadrinhos e por muitos anos seus personagens vão acompanhá-los. Para os adultos que não os leram quando crianças fica uma leitura chata, os personagens são muito simples, cada um tem uma ou duas características e toda a ação gira ao redor disso.

Para quem não sabe, os personagens centrais são Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão. A Mônica tem uma força descomunal mas não a usa para o mal, está sempre acompanhada de um coelho de pelúcia chamado Sansão, que, segurado pelas orelhas e lançado, é sua principal arma contra os meninos que a incomodam. Essa força lhe confere certa liderança, a torna potencialmente “dona da rua”.

Cebolinha é um rapaz esperto, mas não consegue falar os “erres”, tem uma idéia fixa de que o mundo está ao revés com uma menina mandando e quer derrotá-la, embora ele seja seu amigo.

Magali é a melhor amiga da Mônica e só pensa em comer, é uma papona sem limites. Por último, o Cascão. Ele vive em função de sua fobia de água, razão pela qual é um sujinho. Todos têm a mesma idade, seis ou sete anos, ainda não vão à escola e vivem o cotidiano comum das crianças urbanas. 

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Quem tem medo de Disney World?

Estudo psicanalítico do imaginário Disney

Com o passar dos anos, precisamos adaptar o olhar de modo a perceber que a literatura e a mitologia talvez não tenham perdido espaço, acreditamos que elas buscam outros caminhos para manter sua eficácia, este texto é uma tentativa de seguir uma destas trilhas.  Podemos muito bem alardear o simples desaparecimento das formas tradicionais de transmissão cultural e lamentar o vazio deixado pela falta das narrativas orais, do convívio com a família extensa, etc.,  e não estaremos equivocados. Porém, pensamos que devemos buscar os atos de preservação do acervo discursivo da nossa cultura lá onde se encontram  hoje, sob pena de dizermos que desapareceu algo que apenas mudou de lugar.         

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