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Machismo na cozinha

Essas condutas incivilizadas não conseguirão reconduzir as mulheres a escravas de cama e mesa, nem as crianças a seres amedrontados e passivos!

Valentina é uma menina que ganhou notoriedade pelo programa MasterChef Júnior. Ela tem a aparência de sua idade, 12 anos. Veste-se de forma adequada, sua fala e expressões são as de uma púbere comum. É graciosa, como  muitas meninas nessa fase. Mas o protagonismo que ganhou deve-se a manifestações agressivas de cunho sexual de que foi vítima na internet. A questão é: o que a fez uma garota, participante de um programa de culinária, ser alvo dessas agressões? Se alguém conseguiu ver nela qualquer tipo de insinuação, essa pessoa é um prodígio de desconhecimento de si, afinal, toma como de fora o que lhe brota de dentro.

Certos homens, por uma insegurança básica de sua masculinidade, acreditam que toda e qualquer exposição feminina que existe, ou que eles supõem que exista, como nesse caso, é para lhes provocar. Como se elas estivessem apenas esperando o seu olhar. Uma vez que se acreditaram provocados, devem agir, demostrar sua macheza, mostrar de que falta de fibra são feitos. É uma típica atitude erotomaníaca, no sentido de projetar seu desejo e suas fantasias no outro. Frente a esse tipo de atitude, de sentirem-se convocados a uma cena que não lhes diz respeito, temos duas possibilidades: os primeiros não necessariamente são abusadores reais, ficam fantasiando e agindo nas sombras, na internet, por exemplo. As redes sociais são o paraíso para os covardes, desse e de todos os tipos, lá não há uma responsabilização direta sobre as agressões. E no espaço virtual começa e termina sua ação constrangedora. Seu dano não é pequeno porque cria uma atmosfera de violência sexual, uma cultura do abuso.

Mas vamos aos piores, o abusadores, os pedófilos. Eles não fazem proselitismo, não latem, eles mordem, por isso são quietos. O que apreciam é a ingenuidade da vítima. Seu gozo necessita dessa assimetria de posições, não é só de força física e de idade, mas principalmente de experiência. Eles querem sentir-se como mestres, iniciadores, a inocência e a surpresa da vítima aumentam-lhes o efeito prazeroso: quanto mais frágil seu objeto, maior o gozo. Arriscam, em termos legais, para não arriscar-se onde sentem-se realmente frágeis: na entrega erótica, não têm peito de enfrentar alguém em pé de igualdade. A escolha de objeto diz muito de nós, pois há uma certa identificação com o parceiro. Por isso pode-se dizer que o abusador procura parceiros onde parou sua maturidade sexual. A sexualidade adulta põem a maioria dos pedófilos a correr, sem um poder tão grande, como ele consegue com uma criança, eles ficam sendo os fracos e impotentes que sua equação sexual particular requer.

A lógica da proteção de que se Valentina não estivesse na TV nada disso aconteceria é a lógica da burca. Esse tipo de cerceamento da circulação social de meninas e mulheres pressupõe que sua presença produz uma inevitável e incontrolável mobilização do desejo masculino. Na sua selvageria auto-complacente, eles exigem que as mulheres fiquem presas para não serem perturbados. Promovem o exibicionismo da macheza por temor dos efeitos impactantes que o corpo feminino lhes produz. Esse tipo de agressor tem medo das mulheres e reage com a violência das feras acuadas.

Talvez a televisão, assim como a internet, sejam uma forma de exposição forte para alguém pequeno, porém, as crianças gostam de ver-se protagonistas de suas atrações. Seria triste se a televisão só mostrasse adultos. É claro que os critérios têm que ser rigorosos, mas já tivemos muitas experiências de exposição erótica de adolescentes no passado da TV e MasterChef Júnior está longe de ser uma delas.

O programa de que Valentina participa não é como os realities shows da versão adulta, onde a humilhação e a concorrência ao estilo dedo no olho parece ser parte integrante do show. A versão mirim é adequada à infância, com mais carinho e elogios do que outras coisas. Não classificaria o programa como educativo, mas que ele coloca questões sobre como criamos nossos filhos. A ideia de proteção da infância é correta, mas muitas vezes exageramos na dose, deixando as crianças fora das experiências da vida, meros espectadores do mundo adulto.

Crianças na cozinha, sempre que supervisionados, me parece uma grande ideia. A comida deixa de ser mágica, elas descobrem o trabalho que qualquer coisa dá, o esforço requerido. A arte culinária pede uma boa dose de concentração, uma sincronização da inteligência motora com a intuição, com a percepção sensorial, é preciso pensar quantidades e tempos de preparo, enfim, não é uma ciência fácil. E deve ser bem mais fácil ensinar química, física e biologia para quem já pilotou um laboratório simples, que é uma cozinha, do que para quem nunca entrou nela.

A culinária entrou na moda quando a classe média, incluindo os homens, tiveram que cozinhar. Enquanto isso era coisa de empregados e mulheres era algo menor. Só que agora as mulheres abandonaram a vocação unívoca para as panelas e, por causa das legislações trabalhistas, este ofício tornou-se oneroso. A consequência, ótima aliás, é que a alienação culinária é menor até entre os adultos mais abastados, como todos têm que se virar um pouco no fogão, cozinhar tornou-se chique.

Na ocupação da cozinha por homens e crianças encontramos a inversa do machismo que confina a feminilidade à vida privada. Elas saíram, eles entraram. As crianças, por sua vez, conscientizadas de que a alimentação é algo no qual se pode ser ativo, deixam de comer como quem mama, o que se lhe puser na boca. Assim a obesidade e as doenças decorrentes da alienação do ato de comer certamente diminuirão. Essas condutas incivilizadas não conseguirão reconduzir as mulheres a serem uma escrava de cama e mesa, nem as crianças a seres amedrontados e passivos. Vivemos um momento de reação a essas conquistas, mas elas são irreversíveis.

Vaidades

Quanto mais tentamos reter, mais perdemos. As perdas precisam ser aceitas.

Quando os irmãos se dão, vão se entender toda a vida, quando se odeiam, nunca encontrarão a paz. Está é a triste sina, os meios-termos raramente comparecem. César e Augusto eram do primeiro grupo. Herdaram o nome do avô paterno, cada um a metade, e seguiram juntos como fossem um só nome, um só destino. No princípio, a idade não ajudou, tinham seis anos de diferença. Não brincaram na infância um com o outro, mas foi a única coisa que não partilharam. No colégio, César cuidava do caçula Augusto e cuidou dele até o fim da vida.

Reergueram a empresa familiar, casaram-se e tiveram filhos. Tudo seria feliz se os desmandos da vida não interviessem. Na meia-idade, um câncer arrancou César de Augusto. O caçula pensou que não pudesse seguir vivendo. Pela primeira vez, sentiu-se só. Perderam os pais, sofreram juntos e não fora fácil, mas agora, quem seria seu ombro?

No dia do velório, estava com a viúva e as sobrinhas. Ajudou a escolher o derradeiro terno. Na frente do guarda-roupa, foi tomado por uma sovinice. Sempre compartilharam roupas, os empréstimos de casacos, ternos e sapatos às vezes não voltavam ao dono original. Fazia parte da cumplicidade esse uso comum de roupas, tinham o mesmo tamanho e, de certa forma, era como se o partilhar lhes assegurasse uma proximidade que nunca estaria ausente.

Escolheu para sudário do irmão um terno que fora um erro. Era mal cortado, cor chamativa, fora de moda, enfim, aquela roupa que fica quadrada em qualquer um. Nunca entendeu como seu irmão, tão cioso da aparência, não se desfizera daquela porcaria. Mas, pensava ele pragmaticamente, pelo menos para isso serve. Sabia que nada do irmão herdaria senão as roupas. Perdera seu parceiro, mas esses objetos do falecido seriam seu consolo. Uma franja de amarga felicidade lhe percorreu quando pensou no seu armário duplicado.

O mais duro nos espólios são as roupas, difícil imaginá-las sem o corpo que se foi. Mas suspeito que preenchê-las teria sido a intenção de Augusto, fazer algo do irmão sobreviver através de suas vestes para retê-lo um pouco mais.

Na noite seguinte ao enterro, Augusto teve um pesadelo. Seu irmão lhe apareceu vestindo o terno horroroso e lhe disse: “Você me fez passar a eternidade dessa forma?”. Augusto entendeu seu erro imediatamente. Fora fiel ao irmão a vida inteira, mas por vaidade vacilou na última hora. Sem saber o que fazer, se desfez de todas as roupas, as do irmão e as suas. Começou a vestir-se despojadamente. Só usava roupas e sapatos informais e baratos. O mais humilde dos seus funcionários se vestia melhor. Disse que no começo foi duro, mas depois uma espécie de libertação. Só assim se sentia em paz com César.

Quando Augusto me contou sua história, a primeira frase foi de uma sabedoria que não devemos esquecer: “Nem a morte desativa a vaidade, melhor livrar-se dela em vida”.

* Mário Corso substitui Luis Fernando Verissimo, que está em férias em 29/10/2015.


Cordialidades

A cordialidade, palavra simpática, é a cilada da cultura brasileira.

Cordialidades

A qual restaurante você voltaria?

O primeiro é honesto, pontual, tem o preço justo e a qualidade irrepreensível, mas é impessoal, o garçom não mostra os dentes. Mesmo que você retorne, ninguém demonstra te conhecer, apenas te servem. Você é mais um entre tantos clientes.

No segundo, tanto o garçom quanto o dono te recebem com sorrisos. A qualidade é boa, mas nem sempre. Nada grave, atrasos e erros aqui e ali. Porém, a cortesia do garçom reconhecendo a falha desarma qualquer reclamação. Todos te chamam pelo nome, perguntam pela família e sabem teu time.

Se você descarta o primeiro por ser gelado e sente-se melhor no segundo, perdoando certas falhas, você é bem brasileiro. Era isso que Sérgio Buarque de Holanda, retomando o termo de outros pensadores, definia como a “cordialidade” brasileira. Ele escreveu que no Brasil os laços pessoais se sobrepõem aos mecanismos de eficácia. Nesse exemplo, o brasileiro quer algo além da refeição, ser bem recebido pode ser mais importante do que a comida. Já um estrangeiro vai a um restaurante querendo comer bem e não considera prioritário que o garçom goste dele, afinal, é uma relação comercial. Se o funcionário for simpático melhor, mas o importante é o serviço.

Para compreender o conceito de Holanda, transporte esse mecanismo para os outros cenários da vida: a relação com a trabalhadora doméstica, com o médico, com o advogado. Todos querem sentir-se íntimos daqueles com os quais têm, de fato, apenas um laço de prestação de serviços. Essa aversão à impessoalidade instaura uma proximidade nem sempre viável, que pode inclusive atrapalhar, mas o brasileiro está disposto a ceder um pouco da qualidade em troca de uma manifestação que o faça sentir-se próximo. Para dar-se bem aqui, é preciso investir na relação com o cliente, priorizando isso sobre a eficiência. Os estrangeiros que desembarcam aqui para negócios ficam pasmos ao descobrir que, para ganhar um cliente, às vezes é necessário fazer um amigo. O brasileiro resiste ao anonimato natural do capitalismo.

Por tocar de ouvido, sem ler o conceito, a maioria de nós entendeu a ideia de cordialidade como sendo uma peculiar amorosidade, uma tendência à gentileza. Seríamos, nesse caso, um povo afetuoso. Lembro desse conceito, tão mal compreendido, porque o Brasil anda particularmente violento e muitos dizem que não somos mais cordiais. A questão é que somos cordiais e, por isso mesmo, violentos. Cordialidade vem do latim corda, coração. No caso, significa reagir emocionalmente frente a algo que poderia ser respondido com a cabeça. A violência é a suspensão da razão, é o extravasamento da emoção. Por isso, infelizmente, ao contrário do que pareceria, ela está mais próxima da cordialidade do que da frieza, da indiferença. O coração não é bom governante.

(coluna publicada em Zero Hora em 22 de outubro 2015, interino de Luís Fernando Veríssimo)

O futebol e as mulheres

(perguntas de Camila Gonzatto para o site do Instituto Goethe) 1-O que essa paixão do brasileiro pelo futebol, enraizada tanto dentro quanto fora do país, pode nos dizer sobre nossa cultura? Sinceramente, muito pouco. O futebol não foi criado aqui nem somos os únicos mesmerizados por ele. Claro, criamos uma maneira de jogar que talvez […]

(perguntas de Camila Gonzatto para o site do Instituto Goethe)

1-O que essa paixão do brasileiro pelo futebol, enraizada tanto dentro quanto fora do país, pode nos dizer sobre nossa cultura?

Sinceramente, muito pouco. O futebol não foi criado aqui nem somos os únicos mesmerizados por ele. Claro, criamos uma maneira de jogar que talvez diga de nós. Jogamos com menos disciplina e aplicação que outros lugares, nosso futebol tem menos matemática e mais improviso. Nosso futebol é do desconcerto, da jogada inesperada, do improviso, da ginga, da enganação. Gostamos de nos ver como um Pedro Malazarte, um malandro enganador. Sem força nem meios, que tem que vencer pela malandragem, nosso futebol é assim, ou pelo menos quer se ver assim.

2-O imaginário do futebol sempre foi construído em torno do homem. Como fica a mulher nessa história?

O mundo foi construído ao redor do homem, apenas no século XX que isso começa a mudar. O futebol é apenas mais um espaço masculino. Alguns esportes coletivos são simulacros de guerra e o futebol se encaixa nisso, uma guerra benigna, sublimada, mas um combate. Mais uma razão para a mulher estar de fora, afinal, guerreiros eram os homens.

As mulheres vieram para o futebol como para todas as outras coisas. Como a mulher deve ser agora que tem liberdade de escolher seus caminhos? Deve criar uma maneira nova ou ocupar o território dos homens? Na verdade as duas coisas não são excludentes, e no futebol elas vieram conferir o que é que nos enfeitiça, qual a nossa paixão. Eu acredito que elas não deveriam vir. Nada contra, são bem-vindas, mas não acho que seja uma boa ideia, já basta nós homens nos idiotizarmos por uma paixão inútil.

Torcer por um time é uma experiência totêmica, pertencer a algo, carregar uma bandeira. Quando nossas insígnias de filiação a coisas mais sérias, como as políticas religiosas, nacionais enfraqueceram, as parasérias (se é que a palavra existe) ganharam relevância. O futebol é a mais importante das coisas irrelevantes. Embora haja gente tão destituída de referencias que precise levá-lo a sério. Então, por que as mulheres viriam para cá, já chega metade do planeta perdendo tempo com uma disputa que no fundo é infantil. No fundo o “meu time contra o teu time” é herdeiro da bravata infantil onde se diz: “o meu pai é melhor que o teu”.

3-Mesmo com tantas mudanças sociais e identitárias nas últimas décadas, o futebol segue sendo um assunto de homem. Como podemos pensar nos “excluídos” nesse contexto – mulheres que gostam de futebol e homens que não gostam?

Segue assunto de homem porque as mulheres que vieram se dão conta do vazio e vão embora. Algumas ficam, afinal, rende assunto, ou pegam gosto mesmo pelo precário show que é mostrado.

Não creio que eles sejam excluídas, não me faz sentido pensar assim. Ninguém as manda embora, se quiserem tem lugar para todos. A verdadeira questão é que não tem nenhum pote de ouro no fim desse arco-íris, as mulheres não perdem nada não vindo, por isso não há sentido em falar de exclusão. Não acredito que o futebol e seu entorno enriqueça alguém culturalmente, ver uma partida não é como ler um livro, como assistir uma peça, como ver um balé. O futebol pode ter uma graça e uma empolgação, mas não deixa traços maiores em cada um. Ele tenta construir uma épica num mundo chato, mas consegue muito mal, muito precariamente.

Já homens que não gostam de futebol são discriminados. É como se faltasse algo neles, como se não fossem bem homens ou não totalmente homens. Não é uma discriminação forte, mas algo parecido com um desprezo misturado com um desconcerto. A identidade de torcedor tem raízes tão fundas que quem as tem não consegue acreditar que os outros não a tenham, é como os religiosos quando estão na frente de um ateu. Estamos sempre tentando enquadrar os outros com nossa maneira de funcionar, nos projetamos no outro e tentamos entende-lo a partir disso, por isso entendemos tão pouco e tão mal a diferença.

4-Em um dos seus textos você afirma que o torcedor fanático, quando faz parte da massa e é capaz de atos de violência e amor incondicional a um time, seria a imagem do ocaso do macho tradicional?

Uma das vantagens da experiência de torcer, de ir ao estádio, de sair as ruas comemorar é sentir-se parte de algo maior. Pertencer a um coletivo e sair com ele para uma comemoração ou sair só para torcer quebra com o mundo individualista que vivemos. Naquele momento o que pulsa é outra coisa, é deixar de ser um. Ora, ser nós mesmos nos cansa, pode ser umas férias de si mesmo. Isso pode ser lúdico ou pode abrir o caminho ao pior. A massa nos dá uma energia extra mas regula nossas qualidades pelo mínimo múltiplo comum, nos rebaixa moralmente, eticamente, espiritualmente, enfim, em todas modalidades possíveis. Em conjunto, em grupo, podemos fazer coisas que jamais faríamos sozinhos. O mesmo vale para as gangues, ali ficamos diluídos e assujeitados a um humor que pode não ser o nosso.

Falo em ocaso do macho pois a questão da violência sempre definiu o homem, o arquétipo da masculinidade é o guerreiro, o soldado. Hoje os caminhos para ser homem são menos óbvios, mais pessoais, sem rituais claros. Ora, quem tem uma imagem frágil da questão masculina pode se refugiar na massa do futebol para arranjar encrenca e exercer uma violência que lhe devolveria um protagonismo viril que ele não sente que tem no resto de sua vida. Nesse sentido ser um torcedor fanático e brigão fornece uma consistência imaginária de ser homem, de ser poderoso.

5-E existem torcedoras fanáticas com essas características?

Creio que não, justamente por que uma mulher, mesmo que ame muito um time, não fica convocada a sair batendo nos outros para reafirmar qualquer coisa. Pelo menos não conheço amazonas-torcedoras. As mulheres decididamente pegam mais leve na paixão clubística. Tanto que não é incomum uma mulher trocar de time porque tem um namorado ou marido fanático e querem compartilhar com ele essa experiência. Isso agora acontece menos, as mulheres de hoje não são tão volúveis com seus times, mas segue acontecendo. Um homem jamais troca de clube, ele é fiel e é para sempre. Um homem pode trocar de profissão, de convicções políticas, até de orientação sexual, mas nunca abandonará a camiseta do seu clube. O casamento com o clube é para sempre. Para muitos existe também o time Nêmesis, o time mais odiado, o antagonista principal, aquele que ele odeia com todas as suas forças, com uma paixão quase tão grande como seu amor primordial. Eventualmente ele pode ter suas amantes distantes, uns flertes com times de longe, que eventualmente tenham as mesmas cores, ou que lembrem seu time, mas não é nada sério. O torcedor é o último fiel.

6-Você acha que já é permitido, quiçá bem visto, socialmente uma mulher gostar de futebol?

Sim, ninguém acha estranho uma mulher torcer, vestir uma camiseta e gritar desesperada. Eu acho apenas mais uma alma perdida para a falta de bom senso, mas, que posso dizer, eu gosto de futebol. Talvez eu esperasse que elas viessem a denunciar nossa paixão idiota, nossa babaquice de carregar insígnias paternas sem sentido.

7-Como é esse universo feminino do futebol, em termos de imaginário e comportamento?

Tenho uma amiga que gosta muito de futebol, vai a campo, torce, sabe de tudo. Mas o legal é que ela pega muito mais leve com isso, parece um homem no saber sobre o futebol, mas tem uma leveza que nós não temos. Como se para ela fosse mesmo uma grande brincadeira, que de fato é, mas que nem todos conseguem ver dessa maneira. Se as mulheres trouxerem, como ela, para o futebol, essa ideia de carnaval e não de embate acho que seria muito bem vindo.

Mário Corso é psicanalista e torce para o Sport Club Internacional de Porto Alegre, vulgo Colorado. Não se emociona com outros times fora o Botafogo do Rio de Janeiro (namoro discreto), e o Fussball-Club Bayer Munchen, apenas porque ganhou, de seu pai, e nem sabe de onde saiu, uma camiseta desse time quando era criança, e, é claro, o uniforme também é vermelho.

Perguntas de Camila Gonzatto

é roteirista e diretora de cinema e TV e cursa doutorado em Teoria da Literatura na PUC-RS.

24/08/15 |
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O ódio na internet

num lugar onde todos falam ao mesmo tempo e ninguém escuta, é natural que falemos aos berros

Quando usamos a palavra nazista para quem chutou um cachorro em um dia de fúria, que palavra vamos usar para quem comete regularmente crimes hediondos contra a humanidade? Mas a grande questão não é o desgaste semântico e o julgamento sumário. A pergunta mais procedente é: a internet revela a agressividade que está latente em nós ou é ela mesma que propicia um comportamento um tom acima do que já usamos?

Acredito na segunda hipótese, porque somos a primeira geração que massivamente usa a internet. Ainda não temos uma cultura de convívio, uma etiqueta peculiar para esse espaço. Recém chegados e broncos, ainda escarramos no chão e não sabemos nos comportar. Somos os inventores e as cobaias dessa nova experiência de convívio.

Agregue a isso a ausência física do interlocutor, não há corpos presentes. Quando a distância do outro aumenta, seu olhar não é visível, todas as ovelhas viram lobos e a bravata toma conta. Acrescente ainda o imediatismo, a rapidez da rede que permite fazer sem pensar. Escrever uma carta dispendia tempo, até manda-la tínhamos refletido melhor. Agora usamos o calor do momento, que é péssimo conselheiro.

As redes sociais são um meio quase de mão única: muita exposição e pouco retorno. Somos narcisistas, mas acima disso somos carentes, queremos é ser notados, admirados. Para tanto, num lugar onde todos falam ao mesmo tempo e ninguém escuta, é natural que falemos aos berros. Tendemos ao exagero, ao insólito, ao bizarro para nos destacar da massa.

Talvez a causa mais importante seja a sensação de irrelevância política dominante. O cidadão médio considera-se impotente perante a realidade. Não se sente representado por ninguém, as grandes discussões são complexas e ele pouco entende. A rede é porosa para o desabafo do seu mal estar. Acredita que pode fazer política, ainda que minúscula, com suas investidas indignadas contra tudo e todos. O efeito é apenas catártico, uma caricatura de intervenção social. Não passa de ressentimento destilado, mas alivia.

Talvez nosso olhar viciado coloque o termômetro em lugares errados. Por duas razões: o que é bom não dá manchete, e compartilhamos uma ideia difusa de que vivemos um momento de declínio moral e espiritual. Alardeamos que o tempo da utopia acabou, viveríamos a época das distopias. Acalentamos, sem nenhuma base na realidade, a crença de que enquanto civilização estaríamos, como nunca anteriormente, rumando em direção à barbárie. Procuramos indícios do mito da decadência para referendar essa tese e, para isso, nada melhor do que as besteiras ditas sem pensar na internet.

De qualquer forma, se o ministério do bom senso existisse, advertiria: aprecie as redes sociais com moderação.

Farofa

Farofa, um amor duradouro que vem da infância

Tenho amigos apiedados de uma confraria que se esforçam em melhorar meu paladar. Querem me resgatar da simplicidade culinária. Sabem que meu cérebro pode fazer algumas ligações menos óbvias, dizer algo engraçado, coerente, ou mesmo original, mas meu estômago é unidimensional e primitivo. Cevado a prato feito da Borges e a bandejão do RU.

Por instinto gosto de comida de restaurante de estrada, de boteco. Gosto de galinha com farofa, de carreteiro, de feijoada, de dobradinha com vinho de garrafão, polenta com molho vermelho, costela gorda com salada de batata. Claro, com variações gourmet. Por exemplo, o melhor carreteiro é o feito com as sobras do churrasco, desde que tenha sobrado também linguiça, esse é o segredo.

Com meus amigos provei quitutes requintadíssimos com nomes improváveis. Adorei, repetiria outra vez, especialmente a companhia, mas nem ao menos lembro exatamente o que era e muito menos como eles o chamavam. Um dos últimos pratos dessa empreitada civilizatória fraterna levou dias de esmerada preparação e me deixou recordações fugazes. Era uma papa-fina francesa que eu comeria outra vez, lambendo os beiços, mas, e essa é a questão: com o mesmo entusiasmo com que enfiaria os dentes numa galinha de televisão de cachorro bem tostadinha. Eu sou daqueles que pode ser feliz comendo em pé um x-tudo de trailer sem esboçar qualquer medo da maionese.

Não levo jeito para chique, meu negócio é farofa. E, é claro, farofa pede acompanhamento. A feijoada, por exemplo, não é exatamente um prato. Na minha particular filosofia culinária ela é a melhor maneira de comer farofa. O feijão tem que ser maravilhoso para sublinhar meu astro principal: a farofa.

Considero a farofa a contribuição culinária do Brasil ao mundo. Ela deveria ser tombada como patrimônio da humanidade. Imagino os estrangeiros como aqueles coitados que não conhecem suas benesses. A única outra profissão que considerei foi de faroffalier, o sommelier das farofas. Mas ao mesmo tempo uma preocupação: imagine se o mundo descobrisse essa preciosidade, a que preço ela chegaria? Como seria um mercado negro da farinha de mandioca?

Estou preso a um um gosto infantil e interiorano, acorrentado afetivamente ao fogão à lenha das minha avós. Em tantas coisa rompi com o passado, mas na mesa sigo sendo uma criança. Resta assumir o cardápio infantil e jeca, invejando os amigos que ultrapassaram meu horizonte de sanduiche de mortadela com margarina. Devem enxergar mais longe, perceber sutilezas do mundo que me escapam.

Para você que é como eu: não adianta insistir, desista. Estômago que nasceu para farofa nunca chegará a apreciar um bom frufru de pripripri. Nem ao menos distinguir um bom quiqui de bonjour de um bonsoir de creuset.

27/07/15 |
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Dio come ti amo

O jeito enviesadamente lúcido com que as crianças lêem o mundo.

A promoção era irresistível: em troca de dois rótulos de Omo, uma entrada para ver o filme Dio come ti amo. Para quem não é da época, enchia cinemas como um Titanic. Tempos do blockbuster à parmegiana.

Elvira, a moça que trabalhava lá em casa, não pestanejou, recortou as embalagens e não pensava em outra coisa. O problema é que a barbada só valia nas matinés de dia de semana. Como fazer se uma das suas tarefas era cuidar de mim? Simples, levar-me junto.

E lá nos fomos, Elvira, eu e uma centena de outras jovens mulheres com seus passaportes de caixa de sabão em pó. Marca séria, além de lavar ainda mais branco, levava suas clientes fiéis ao cinema.

Esperto, saquei que se tratava de um filme religioso. Já tinha visto outros na escola. Seria mais uma mensagem sobre a benevolência do nosso criador e como Ele, apesar de não sermos merecedores, nos atura e nos ama. Enfim, fiquei contente com a quebra de rotina e, de inhapa, alimento espiritual.

O filme era italiano, percebi pelo título. Na minha família se falava um pouco de italiano. O que me ajudou na tradução de Dio foi o Porco Dio, uma das palavras de entusiasmo que escutava dos meus adultos, uma espécie de interjeição, servia para sublinhar momentos. Nunca entendi bem o sentido, duas coisas opostas, mas o padre nos dizia que religião é fé e fé é mistério. Portanto, existem coisas da religião que não entendemos. No meu caso particular, o mistério da fé se apresentava no Porco Dio. De qual natureza de Deus estavam a falar? Lembro também um expressivo e enigmático campo semântico que envolvia hóstia e cachorros, mas isso é outra história…

Na matiné eu era o mais jovem da fila, talvez o único representante masculino e, ao meu ver, também o único que se comportava bem diante de um momento solene. Havia uma excitação no ar, estavam todas algariadas. Esperava mais seriedade, na missa ninguém se comporta assim.

O porteiro fez uma cara feia para mim. Não sei se era porque eu não tinha os cupons mágicos mas, pressionado pela multidão, e pela conversa da Elvira sobre a premência e importância dela ver o filme, entramos. Depois Elvira me contou que ela e o porteiro eram conhecidos e outras coisas.

Começou o filme. Porco Dio, que religião estranha! Seria a mesma que a minha? Haviam muitos olhares e muitos beijos, muitos e demorados beijos. Mas, na essência, era uma religião do amor, não havia dúvida. Havia uma moça que amava muito a Deus e a um rapaz e cantava isso para todos. Para não estragar a surpresa de quem não viu, não conto com quem ela ficou. Enfim, um enredo positivo, comovente, muitas choravam. Por isso não entendi porque minha mãe, quando soube que fui ver essa mensagem de fé e esperança no amor de Deus e dos homens, ficou tão braba com a Elvira. Coisas de mãe são como a fé, cheias de mistérios.

18/07/15 |
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Livros impróprios ou pais censores?

A literatura nunca é perigosa, muito pior é o silêncio censor.

Pergunte a um professor de literatura do ensino médio qual é o seu maior dilema em aula e a resposta provavelmente será: quais livros devo sugerir para serem lidos e debatidos. Mas atenção, a questão não é que o professor não tenha suas escolhas e preferências, seus livros de estimação, o ponto é como não ferir suscetibilidades, principalmente dos pais da garotada e raramente dos seus alunos. Se o assunto é sexo o campo é sempre minado. O resultado é que os professores se autocensuram e escolhem obras menos polêmicas, enquanto os jovens precisam buscar informação sobre sexo em outros lugares. Geralmente em becos bem mais escuros e a sós.

Saber é poder e no que toca ao sexo, nessa idade, vale como nunca, por isso os adolescentes são tão ávidos por obras que lhes forneçam alguma informação. O desafio de sua vida nesse momento é fazer laços afetivos entre seus pares que os ajudem a se desgrudar do amor dos pais. Ora, sexo, erotismo e amor se confundem na cabeça do nosso jovem, ele está a mercê de uma certa fascinação e da supervalorizada expectativa que temos sobre a questão. Seria útil se houvesse um manual de instruções, ainda que fosse vago, impreciso, imperfeito. A questão é que, por sorte, os manuais não funcionam, seu alcance é limitado.

A leitura poderia ajudar, existem obras da literatura que não fogem da raia, que tratam da questão. Como essas raramente são adotadas, os jovens as descobrem sozinhos, ou no boca boca e as leem sem discussão, ou então só com o entusiasmo dos amigos. A literatura tenta ensinar aquilo que nem os pais nem a escola conseguem. Ela mostra como a vida é complicada, como nossos pensamentos que parecem anormais são corriqueiros. Ela nos deixa menos sós, não somos os únicos a sofrer de angústia sem explicação, há outros que se sentem perdidos e sem rumo, que fazem besteiras sem saber a razão. A boa literatura é o único espelho dos abissais que são a diversidade e complexidade humanas e sua tênue fronteira com a loucura. Ela ajuda a pensar certos comportamentos, fornece novas palavras para sensações enigmáticas, renova a linguagem corrompida pela fala materialista e burocrática da política e da propaganda, funda mundos imaginários para descansarmos do presente. A riqueza de um texto tem o dom de recriar a linguagem envenenada pela banalidade do pensamento obscurantista daqueles que sabem o que é bom para os outros. Ela não necessariamente nos salva, mas fornece boas pistas para achar o fim do labirinto da adolescência.

A literatura adoraria ter tanto poder formativo como acreditam seus censores. Especialmente no sexo, é bom esclarecer que ela não cria fantasias sexuais, apenas fornece cenários que enriquecem e polemizam certas questões. Ninguém vai se tornar pervertido por saber que isso ou aquilo se faz. As fantasias que comandam a vida sexual já estão construídas num adolescente, apenas ele não as explicitou, não as explorou. Confunde-se a descoberta da própria sexualidade com a sua formatação que vem da infância. Não é sem influência, mas é como colorir um desenho que já está feito.

Na mesma linha de raciocínio: recorte algo que existe na realidade e todos conhecemos, coloque isso num lugar público visível e está feita confusão. Pode ser um beijo gay, o sexo mais banal de um casal, um adolescente fumando maconha, enfim, desejos e comportamentos nem tão incomuns ou obscuros. No julgamento de quem censura, tudo deveria permanecer oculto, como se a exposição do já existente justificasse e legitimasse esse fato.

Os pensamento censor acredita que a literatura, a propaganda, a novela não são amostras das várias formas de ser, pensam nelas como autorização e convocação à imitação. Na verdade só cumprem a função provocativa que abre portas para discutir o assunto. A questão é: quem tem medo de uma discussão? A reposta é óbvia: quem não tem argumentos senão escudado na suposta autoridade dos que pretendem nos livrar da perdição. Esses mesmos que veem o público como uns desmiolados que só esperam um exemplo para seguir.

Com o acesso à internet, hoje disponível na maioria dos lares, qualquer jovem encontra pornografia, apologia às drogas, incentivo ao suicídio, e qualquer outra bestialidade imaginável. Mas o detalhe: ali ele está sozinho, sem um adulto, sem um guia que o ajude a discriminar o que serve do que é lixo, do que destrói sua sensibilidade e embota sua inteligência.

A adolescência é um momento sem bússola. Longe de seus antigos pais protetores, que com o fim da infância perderam seus poderes, melhor deixar que eles ao menos estejam perto de alguém que já tenha mais estrada na vida. Os mestres e seus livros podem ajudar a lidar com o peso das exigências do sexo. Confie nos professores de literatura ou nos professores e orientadores que não fogem dessas discussões em aula. Talvez eles não tenham a mesma opinião que você, mas é um adulto tentando uma ponte para ajudar neófitos a discernir o sublime do vulgar no açougue que o sexo pode vir a ser para nosso adolescente. Se evitarmos as obras sobre sexualidade e erotismo nos currículos, vamos deixar que o único professor de nossos filhos na educação sexual seja a pornografia.

A maconha e o demônio

confrontando teses paranóicas de que um jornal só se posicionaria pela descriminalização por interesses comerciais.

Se você não acredita em meu Deus deve acreditar em meu demônio. Em síntese, essa é a lógica  binária e pueril que infelizmente domina hoje muitas discussões, negando que o mundo tem muitos outros tons.

Fiquei contente com a posição da Zero Hora sobre a maconha porque rompe com esse simplismo. Ela coloca-se como muitos clínicos que também enfrentam esse problema: não endossando o consumo, mas sendo favorável a liberação. O que queremos é tirar o problemas da sombra do delito para melhor enfrentá-lo. Sabemos dos perigos da legalização mas conhecemos muito bem os graves tormentos da ilegalidade.

A repressão nunca conseguiu diminuir o consumo da maconha e as ações educativas, num ambientes de proibição, tendem apenas envolvê-la numa bruma que exagera seu perigo e a torna atraente por ser pretensamente transgressiva. Acreditamos que jogar às claras e desmistifica-la é o melhor caminho.

Essa posição, que aliás é uma tendência mundial, parte de um fato simples: existe um contingente enorme de consumidores que não estão dispostos a abrir mão de seu hábito e agem com desdém aos conselhos dos profissionais de saúde. Resta-nos muda nossa abordagem para estar perto deles. Se quisermos nos aproximar desse contingente, a primeira coisa é sair da posição de verdade, da postura arrogante de quem se julga com o monopólio do saber sobre o que é bom para os outros. Essa clínica que só consegue apontar a abstinência como estratégia não funciona mais. Não podemos seguir infantilizando e subestimamos o consumidor. E mais, qualquer droga, quando afunda alguém, nunca é só ela. Ela apenas é um atalho para o pior, mas é um sofrimento, uma desesperança, uma tristeza uma depressão que realmente levam a isso.

O campo da clínica é duro porque é sempre perpassado por dúvidas, raramente somos taxativos. Mas quando vejo nossos colegas, adversários dessa posição de maior tolerância, ao invés de argumentos, sacar teorias conspiratórias, reduzindo o complexo problema das drogas à futuros lucros publicitários, disso tiro uma certeza: o que está em questão é o esgotamento teórico do paradigma repressivo.

(publicado em Zero Hora em 12/03/2015)

Fabrício e a vaia

Um jogador destemperado e uma torcida mimada.

A vaia é o vestibular do mundo adulto. Se você já recebeu e matou no peito é porque deixou a infância onde tudo eram afagos e elogios. A vida adulta é trabalho e critica, e a forma mais dura da cobrança é a vaia. Pessoalmente não acredito na sua eficácia. Ela fala mais da impotência e da falta de educação de quem a produz do que da performance de quem a recebe. Ela por si mesma não tem uma força educadora, construtiva, mas ela está aí, cada dia mais.
Fabrício anteontem não matou a vaia no peito. Ele tem o preparo para ser jogador, mas não para ator, para encenar uma personagem que o ultrapassa. Não compreendeu que as vaias fazem parte do contrato que assinou e que o futebol é também um espetáculo catártico, um catalisador de emoções, um lugar onde buscamos um sentido épico que a vida nos nega. Temos gladiadores modernos que deixamos que saiam vivos da arena, mas nem por isso cobramos menos sangue. Fabricio escutou isso do modo errado e voluntariamente abriu suas veias para nós. Seu destempero o afundou e gozamos de sua falência moral. A torcida o derrotou.
Fabricio recebia vaias pelo conjunto da obra, deixou o time na mão várias vezes com expulsões desnecessárias, comprava brigas tolas, se excedia de todas as formas. Existem jogadores que derrotam as vaias. Valdomiro usou-as para se aperfeiçoar. Trabalhou mais e mais até ser o melhor cobrador que já pisou no Beira-Rio. Não acreditava na predestinação e no talento, mas sim no trabalho exaustivo que deve ser aliado ao dom natural. Fabrício queria uma admiração sem contrapartida, um incentivo mesmo no erro. Ele não lapidou seu talento, não domou sua fúria, permaneceu como uma criança mimada e birrenta. Não entendeu que existe um outro mais mimado em campo, a torcida.
O Internacional tem uma torcida maravilhosa. Quantas vezes juntou o time do chão e o empurrou para a vitória. Mas nessa quarta feira, sem querer, deu um tiro no pé. Posou de consumidor exigente e criou mais um problema para um time ainda em montagem. Creio que o momento é de guardar as vaias para desestabilizar os adversários.
Dizem que o treinador Rubens Minelli preparava o time para enfrentar 12 adversários. Os 11 da equipe adversária e o juiz. Insistia: o juiz não é nosso amigo, ele não vai nos compreender nem nos perdoar. Ele é mais um pedra na nossa chuteira. Espero que os treinadores do Internacional não precisem dizer que temos que enfrentar 13 adversários, como o juiz, a torcida também não é nossa amiga, não vai nos compreender nem nos perdoar.