Sátira
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O tudologista e o churrasco

Uma das versões do chato, aquele que nos brinda com sua absoluta sapiência sobre o irrelevante.

Para quem ainda não sabe, o tudologista é o especialista em tudo. Se você perguntar: tudo, mas como assim? Em qual área? Já são sinais que não entendeu o conceito, tudo é tudo mesmo. O verdadeiro tudologista tem resposta ou opinião sobre qualquer assunto.

Existem duas classes de tudologistas, os práticos e os filosóficos. Embora os dois dominem os segredos do cosmo, os práticos são mais atentos aos detalhes do cotidiano, de como chegar ao cerne da sabedoria e de tudo mais através do banal. Encontramos com mais frequência este primeiro exemplar de pedagogo obstinado, que nos ensina a fazer melhor todas as rotinas da vida. Já o tudologista filosófico está consertando o mundo na internet.

Esses dias tive a felicidade de ter um tudologista ao meu lado, na churrasqueira. Ele me ensinou a essência do processo do cozimento da carne, e a transcendência dos meus pequenos gestos. Foi preciso humildade e calma, ainda mais tendo uma faca de carne na mão, pois o mestre me apontou falhas imperdoáveis na condução do preparo da refeição.

A primeira coisa que descobri foi que fiz o fogo errado. Não que não fosse fogo, mas ele me apontou como desperdicei tempo e energia não propiciando o melhor rendimento térmico. Para salgar a carne outra lição de fisiologia e química aplicada à culinária. O tempo e a quantidade usadas estavam errados em vários itens. Senti que não cozinhava, apenas desperdiçava recursos úteis ao planeta. A filosofia de fundo é que existem mil maneiras de fazer algo, mas só uma é a certa: no caso a dele.

Pelo menos o desperdício não era tão grande, pois, como ele me explicou, a carne comprada não era grande coisa, nem adequada para a ocasião. Pelo aspecto, aroma, cor, textura, precisão do corte e outros quesitos tais, era um bagulho que um espertalhão passou para um trouxa, no caso eu, que não entende nada do assunto.

Ao espetar a carne mais uma revelação. Não deveria ser nem tão rente, nem da maneira que fiz. Decididamente não sei nada sobre feixes de fibras e a penetração do calor na carne. Nem como, nem quanto e muito menos por onde a gordura deveria escorrer. Não adianta dizer: então você espeta! Acontece que o tudologista não faz, ele ensina, esse é seu papel no mundo.

O tudologista é um missionário de seu saber, um professor nato que brinda os outros com sua sapiência. O tudologista sabe que o caminho da boa pedagogia é a paciência, ele pode te repetir a explicação mil vezes, e se chegar uma nova pessoa no recinto ele recomeça do princípio. Os tudologistas não cansam, a verdade lhes dá uma energia infinita. Por isso um conselho: não contrarie um tudologista.

Fiz o churrasco enquanto ele explicava para as mulheres a alquimia da verdadeira maionese. Só escutava, ao longe, como os colóides são sensíveis ao ritmo do fouet e os riscos da acidez elevada dos óleos de oliva.

Mas existe uma generosidade extra do tudologista que se expressa na prática: por mais que a comida seja errada do começo ao fim, ele, com seu apetite, redime o cozinheiro das críticas.

Como forma de respeito, apesar do meu fracasso como assador e anfitrião, ele comeu muito. Também, dentro desse mesmo espírito construtivo e apoiador, bebeu bastante da cerveja. Embora já tivesse ressaltado que ela não harmonizava com essa carne, nem a com a temperatura do dia, nem estava na temperatura certa e que tampouco é correto tomá-la nessa estação. O estômago do tudologista abençoa nossos esforços e perdoa nossos erros. Em seu âmago, ele só deseja nosso bem.

Reengenharia emocional

A linguagem de negócios, adaptada às emoções e afetos, cria situações cômicas.

A crise chegou. É hora de enxugar despesas. Mas cortar onde? Hoje vamos citar uma fonte enorme de gastos: os amigos. A amizade é cara em termos de tempo e dinheiro. Todos temos amigos supérfluos, sempre dá para cortar alguns mantendo a mesma produtividade afetiva.

Imagine o que vai economizar com presentes de Natal, Páscoa, aniversários, casamentos, flores. Sem contar as saídas para chope, almoço, happy hour. Some a conta com o táxi, as gorjetas, e as roupas que somos obrigados a comprar para enfrentar a vida social. Enfim, amigos são certeza de despesa. Fazer um downsizing na cota de amigos é fundamental.

É um erro dizer que amigo é um capital, pois amigos não se podem vender e quanto mais camaradas, mais despesa. Amigos são na verdade um anticapital.

Vale mais privilegiar as redes sociais: por muitíssimo menos investimento temos muito mais amigos. Três emoticons grátis te resolvem um aniversário. Pense nisso.

Porém ainda não é hábito demitir os amigos. Mesmo que possamos oferecer boas cartas de referência, ou dar bons retornos dizendo que eles certamente acharão outras pessoas que saberão usar melhor sua expertise como amigos, o melhor é fazer com que voluntariamente eles se afastem.

Lembre-se: isso é uma medida altruísta pois eles também vão fazer uma boa economia. Você está apenas tomando uma atitude proativa para o saneamento da gestão doméstica de ambos. Medidas singelas podem ajudar nesse reescalonamento afetivo.

No caso da amizade ser com uma mulher é simples: diga que ela está gorda. Se ela perdeu peso diga que esse emagrecimento lhe envelheceu. Insista no tema e vai ser menos uma. Se tiveres dificuldade para falar, no próximo aniversário lhe dê uma roupa com um número bem maior. Te asseguro que é um gasto que não vai se repetir.

Com amigo homem é mais complexo. Sei de quem convidou vários para um churrasco e serviu só cerveja sem álcool. Conseguiu de um golpe se livrar de vários. E se ainda assim algum deles insistir, convide-o para jogar futebol na tua turma e deixe-o no banco até faltarem três minutos de jogo. Quando ele entrar diga: – vai lá e arrasa. Se ainda assim ele não entender, comece a lhe pedir o carro emprestado. Devolva com o tanque vazio e reclame muito de que droga de carro é esse.

Para os muito resilientes, de ambos os sexos, sempre se pode dizer: – como o teu (tua) ex tinha razão, você é mesmo teimoso(a). Na falta de ex: – tua mãe está muito certa no que ela diz de ti.

Na próxima semana dicas de cortando despesas na família. Será que o totó já não viveu o suficiente? Plano de saúde para o vovô se ele já está tão velho? Ainda vale fazer universidade? Estudar inglês agora que existe o google translate?

Os sem noção

Há os “sem noção”, os “meio sem noção”e os “sem senso de noção”.

Um amigo teve uma ideia que lhe parecia brilhante. Queria criar um curso para os “sem noção”. Afinal, segundo ele, o que mais campeia solto neste vasto mundo sem porteira é gente sem noção. E vamos combinar, ser sem noção atrapalha muitíssimo, a si e aos viventes em volta. A vida pessoal e a laboral podem virar tragédias por causa dessa incapacidade de perceber a verdadeira noção das coisas. Fortunas são dilapidadas, negócios vão pro brejo, famílias se separam, tudo pela falta de noção. Imagina, dizia ele, quanto economizaríamos se todos fizessem meu curso. – Se recuperássemos os sem noção para o bom senso, este mundo seria outro!

Meu amigo desistiu do curso. Mas não pelas dificuldades que eu antevia: afinal, como seria um curso desses? O que explicar e vivenciar para apreender o que seria a verdadeira noção das coisas? E o mais difícil: quem ensinaria? Percebem o desafio? Ele reconsiderou quando, após anunciar sua empreitada didática, apareceram muitos sem noção, mas não para matricular-se, e sim oferecendo-se para dar aula. Ele deu-se conta de que o sem noção não sabe nem admite que é sem noção, logo não procuraria o curso.

Na sua autocrítica, admite que ele mesmo era meio sem noção por não perceber isso antes. Mas, assegurou-me, aprendeu com essa experiência que existe uma grande diferença entre os “meio sem noção”, categoria em que se incluía, e os “sem noção”, gênero básico, que são a maioria. Porém existiria um terceiro caso, o mais alto grau nesse aspecto da inconsciência da noção, que seriam os “sem senso de noção”. Neste último caso, dos quais devemos perder a esperança, entram, entre outros, aqueles que se ofereceram para dar aula. Eles são mais do que sem noção, esses não sabem sequer que a noção existe.

Seu afã classificatório não parou por aqui, tinha tabelas sobre as correlações entre a noção e o barulho. O sábio seria quieto e, quanto mais sem noção, mais ruidoso, mais professor de todas as coisas, doutor em todos os assuntos. Esse especialista universal, que não recua a qualquer tema, também é reconhecido pelo local da docência: discursa em supermercado, elevador, portaria, reunião de família e mesa de bar. Além disso, reconheceu uma forte tendência a quanto mais tempo alguém dominar sonoramente o ambiente, menos as suas palavras fazerem sentido. O sem noção não conhece a dúvida, por isso abusa das palavras, chicoteia com a língua todos os temas, e é um missionário fervoroso das suas crenças. O sem noção é um profeta decaído, e o impulso pedagógico intempestivo e gratuito, sua marca.

Mas fiquei curioso sobre como ele me classificava. Começou bem a avaliação, elogio aqui, ali, mas a nota final baixou muito porque, segundo ele, escrevo umas coisas muito sem noção no jornal. Então tá.

08/02/16 |
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Interceptei a mensagem de um E.T.

vistos de fora, somos no mínimo engraçados!

Primeiro informe ao planeta Zorg.

Estou muito animado no meu primeiro dia no planeta Terra. Orgulhoso de ter sido escolhido para a missão de reconhecimento dessa curiosa civilização semi-inteligente.

Já posso dizer, num primeiro relance, caso queiramos entrar em contato e trazer presentes: o que eles mais precisam é de gás carbônico. Cada grande cidade possui enormes usinas fixas de produção de CO2 com gigantescas chaminés. Como isso não é suficiente, uma manobra coletiva permite uma distribuição mais eficiente a partir de pequenas usinas móveis.

Existe um ritual de solidariedade que possibilita tornar a atmosfera mais compatível com a espécie que domina o planeta. Logo que sai o sol, cada família que tem posses, pega o seu produtor móvel de CO2 e sai distribuindo fumaça em rotas aparentemente aleatórias. A solidariedade se repete perto do meio-dia e ao redor do entardecer. Os mais prestativos fazem isso em outros horários e inclusive à noite. Isso possibilita cobrir toda a extensão das cidades com uma atmosfera amigável.

É um povo de uma persistência admirável, entopem as vias e quase não saem do lugar por horas. Exceção das micro usinas, de apenas duas rodas, talvez usadas também para transporte, afinal, essas circulam.

Sem esse gás creio que eles não vivem. Por essa razão existem poucas pessoas vivendo em áreas verdes. Creio que a concentração de oxigênio lhes seja prejudicial. Talvez somente indivíduos particularmente robustos possam sobreviver em tais condições. Motivo pelo qual, eles se esforçam para derrubar as florestas produtoras de oxigênio e umidade.

Mesmo assim, com todo esse empenho, alguns precisam usar CO2 concentrado. Existe um dispositivo bem inteligente que permite uma dose direta. É um canudo fino, branco, que ao ser aceso em uma das extremidades, garante um suprimento para os mais débeis. Evidentemente, quem está em volta aproveita um pouco da fumaça.

Fora a necessidade extrema de gás carbônico, nada mais poderia explicar a audácia em usar tais dispositivos móveis. É visível um contraste extremamente desigual entre as usinas móveis, todas em metal rígido – apenas as rodas são macias – e a fragilidade dos humanos. Eles possuem corpos sem exoesqueleto, são constituídos basicamente de carbono e água, e o cerne é de uma quebradiça estrutura de cálcio.

O exercício da solidariedade da fumaça é perigosíssimo. Muitos perdem a vida pois a usinas são bólidos primitivos que, não raro, colidem entre si ou atropelam humanos e animais, causando danos irreversíveis. É de um absurdo “custo humano”, para usar o vocabulário local.

Não fosse CO2 o gás da vida, diria que nem entre as civilizações semi-inteligentes poderíamos classificar os terráqueos.

GPS Gaudério

Nos caminhos do Rio Grande, o Fagundes, GPS Gaudério, te leva a qualquer lugar!

Adoro novidades. Sabendo disso uns amigos que desenvolvem aplicativos me deram para testar o GPS Gaudério. Para quem ainda não sabe, GPS é um aparelho, parecido a um telefone celular, ou instalado em um, que fornece a rota por onde passamos. Além da tela com o mapa, ele fala avisando as manobras que temos que fazer para chegar a um objetivo.

O GPS gaudério é mais que um aparelho e uma ajuda, é uma presença dentro do carro. A Gabriela, minha antiga voz, era uma copilota xoxa, tinha o entusiasmo de um tropeiro de lesma. Já o Fagundes, como ele se apresenta, tem uma voz que me lembra o saudoso Noel Guarany. Soa forte, decidido, é quase um comando onde deveria ser uma sugestão.

­Afrouxa o trote que tem pardal a menos de légua ­– é ele falar e já vamos tirando o pé do acelerador. Para quem não é do campo ele pode soar rude. Esses tempos fiz dois erros em sequência e ele me saiu com: Vou ter que recalcular a rota de novo animal! Para pra tomar um mate. Tu tá dormindo? É duro, grosso, mas alerta o índio sonolento e evita o pior.

Claro, eu programei uma fala para homem, se programares o Fagundes para uma mulher dirigir é outra fineza. A minha filha fez o mesmo e ele disse: Oh guria! Assim vamos dá mais volta que bolacha em boca de velho!

As vantagens são inúmeras, qual outro aparelho que indica postos que têm água quente para reabastecer a térmica? Não só aponta todas as churrascarias por onde passamos como até palpita, às vezes um pouco preconceituosamente, é verdade, mas com argumento. Exemplo: Esta diz que é churrascaria, mas serve pizza também, sei não…

Dentro da cidade é perfeito. Apenas tem que se acostumar que ele toca o hino rio-grandense quando passa na frente do Laçador, do monumento ao Bento Goncalves e perto do parque Harmonia. Às vezes, de inopino, num engarrafamento, declama uns versos do Jayme Caetano Braun pra modo de não perdermos a paciência com as agruras duma paisagem sem campo, sem verde, sem horizonte.

Sempre tem bons conselhos, quando sente que estamos muito rápidos nos pergunta: Que apuro é esse cuera? Esses tempo buzinei forte na frente de um hospital e ele me saiu com essa: Cem cavalos no motor e um na direção!

O que teria que ser corrigido é uma certa fixação por Uruguaiana. Cada manhã eu ligo o carro e ouço: Tu estás a 624 quilômetros de Uruguaiana. Parece que o destino primordial, o marco zero no qual esse GPS se baseia é o obelisco de Uruguaiana.

Esses dias indo para Garopaba, indiquei o nome da cidade e ele setou Uruguaiana. Corrigi, ele desconfigurou e me remeteu de novo para Uruguaiana. Na terceira desliguei o xirú. Sei a estrada, era pelas dicas. Não é que quando estou sobre a ponte do Mampituba o GPS se liga sozinho e me diz com voz preocupada: Tu tá saindo do país, tchê!

01/11/14 |
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Gosma

Precisões linguísticas da metereologia do sul do país: os estados (ou melhor, o estado) da Gosma.

Esses tempos, o nosso poeta Nei Lisboa afirmou que no Rio Grande do Sul temos cinco estações: Primavera, Verão, Outono, Inverno e Gosma. É por essas coisas que não se pode deixar ciência na mão de artista. Qualquer gaúcho percebe a imprecisão conceitual, o descaso pelo detalhe. Ele não faz a clara distinção que existe entre Gosma Quente, Gosma Fria e Instabilidade Gósmica.

Como talvez seja lido por estrangeiros, explico o que é Gosma. Claro que existe a umidade, mas ela é um estágio anterior, mais tênue, da Gosma. A umidade aumenta a sensação térmica, a Gosma a multiplica. Logo, a Gosma é quando realmente a coisa pega. Dizem que nos dias de Gosma se poderia deixar os peixes soltitos fora do aquário, só não recomendo porque ainda não testei.

O nome vem dos efeitos. Tudo, e quando digo tudo é tudo mesmo, fica recoberto por uma camada fina e pegajosa, uma fase anterior ao bolor, um bolor líquido. Você lava o cabelo e duas horas depois parece que não o lava há uma semana? É dia de Gosma. Dói a cicatriz do nono? É Gosma. Nosso corpo sua mesmo que esteja muito frio? Gosma na certa.

Talvez outro conceito que atrapalhe os não nativos seja o conceito de Instabilidade Gósmica, que é quando o clima não se decide pela modalidade Gósmica e deixa o vivente indeciso entre bota ou alpargata. São os dias que o clima faz que vai, mas não vai e acaba indo na direção contrária a que pensamos. A Instabilidade Gósmica, também chamada de Gosma Oscilante, é o momento Gósmico bipolar em que as Gosmas freneticamente se alternam.

Portanto, se você quer entender o nosso clima tem que partir do básico: temos sete estações no estado. E elas sucedem como em todos os lugares, mas aqui que podem rodar várias no mesmo dia, quando não todas.

Difícil é fazer os outros nos entenderem. Sabe aquele desânimo que bate quando um amigo de fora está para vir e nos pergunta: o que que levo de roupa? A gente tem que dizer: tudo! Claro, existem parâmetros básicos: não precisa de japona em janeiro, como não é preciso trazer Havaianas (aquele chinelo de borracha brasileiro que infelizmente pegou por aqui) em julho, mas fora isso, vai que é uns dias de Gosma, melhor estar prevenido. Em resumo, vem moda, sai moda, o que não muda é que gaúcho se veste como uma cebola, em uma sucessão de camadas que podem ser retiradas e recolocadas ao longo do dia.

É equivocado dizer que o Cléo Kuhn não acerta. Ele acerta, apenas não se rende aos conceitos locais. Ele se sente no dever de usar o vocabulário comum, da meteorologia tradicional, utilizada no resto do mundo e não afina a sintonia do vocabulário correto para nosso estado. Dissesse ele: “olha gente, hoje vem muita Gosma”. Nem precisaria dizer qual, a gente já entende que é para se precaver para tudo.

23/10/14 |
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Happy Harbor

Jequice do estrangeirismo dos imóveis

– Não senhor, Bois de Boulogne não é uma raça de gado de corte nem de leite.

– Não senhora, não é um molho, é um bosque em Paris, mas não me pergunte como se pronuncia. Aliás, estamos dando desconto para quem souber pronunciar o nome desse edifício.

Estas falas podem ocorrer na compra de um apartamento, mas nunca uma sala comercial pois essa será no Wall Trade Corporation Tower Prime Building. Ou coisa que o valha, que, mesmo com todo esse nome, talvez tenha apenas quatro andares.

Os nomes dos nossos imóveis comerciais tendem ao inglês, e os residenciais têm mais liberdade criativa, mas o francês comparece com maior frequência. É Maison pra cá Petit Village para lá. Confira você mesmo, a leitura dessas propagandas de lançamento em sinaleira pode ser bem divertida.

Até se conseguem imóveis com nomes em português, mas são mais baratinhos, vocês me entendem. Chic mesmo é uma engronha que a gente não pesca bem, mas que tem web space, fitness center, smart laudry, indoor pool, home theater, playground, petspace enfim, algo para você que tem lifestyle. Você compraria um apartamento onde nem ao menos existe um Espaço Gourmet? Sem falar no kids space com área baby?

Sabe o térreo? Isso não existe mais, agora é Apartamento Garden. E quando os atributos são em português é necessário um tradutor de eufemismos. Encontrei em um anúncio o “sistema de segurança perimetral eletrônica” e pensei logo em robôs circulando, mas era só uma cerca elétrica. Já achei no catálogo de um imóvel a promessa de um “Wireless totalmente sem fios”. Imagine, deve ser fantástico!

Houve quem quis proibir anúncios e impressos com palavras estrangeiras, o que acho que cai no outro extremo. Às vezes, é mesmo necessário e não há mal algum em usar uma palavra estrangeira quando não encontramos similar, ou de mesma precisão, no léxico pátrio. A questão é outra, aqui o uso e abuso de estrangeirismos serve para dar valor a um produto que se tivesse toda essa bola não precisaria desse truque.

Enquanto criticamos os Maiquisons, as Dienifers e Sheyslenes que nascem no subúrbio, moramos em prédios com nomes que também são uma versão brega de usar outro idioma para tentar nos autoenobrecer. Quanto menos sobrenome alguém acha que possui, mais supõe que o nome do filho precise se impor como ímpar. Nos imóveis vale o mesmo raciocínio: para esconder nossa jequice os batizamos com termos em outra língua.

Meu receio é que, se continuarem a construir edifícios com esses nomes, com tantos acessórios e supostas possibilidades, talvez queiram trocar o nome da nossa cidade para Happy Harbor. Menos mal, já que a outra possibilidade seria Gay Harbor, evocando algo que ainda deixa muita gente, chique ou brega, melindrada.

O inferno é personalizado

Esqueça as labaredas: deve haver um inferno à sua medida!

A transformação era assustadora. Meu amigo levava uma vida de tal modo desregrada que chamá-lo de punk seria uma ofensa a essa comunidade. De repente, o encontro banhado, barbeado, correndo na rua de manhã cedo. Já tinham me dito que ele não fumava nem bebia mais, e que drogas eram coisa do passado. Agora não acreditava nos meus olhos.

Milagres e conversões acontecem, a questão é: por quê? Como a curiosidade mata e tenho intimidade fui perguntar. A resposta foi direta: eu morri. Depois entrou nos detalhes. No óbito estava junto com amigos médicos que não praticam os conselhos que dão aos pacientes. Bebiam todas e ele, repentinamente, caiu duro no chão do restaurante. Foi ali mesmo que a perícia dos amigos o resgatou da morte.

De qualquer forma ficou morto por uns minutos, o suficiente para passar para o lado de lá, e pegar como as coisas funcionam no além. Resumindo: ele foi direto ao inferno, e embora ficasse pouquíssimo tempo, como o tempo lá é diferente, entendeu toda a lógica.

Primeira coisa que me diz: esqueça todas essa balelas de chamas e labaredas. Existem novas diretrizes e isso mudou. É um clima bom, melhor que o de Porto Alegre. O problema é a rotina. Quando você chega teu inferno já está pronto, o que você vai fazer, onde vai comer, com quem reparte o quarto, enfim, as coisas práticas. É tudo organizado e sem erros. Cada um ganha uma plaquinha com o nome e já sai com a roupa destinada. Nada de uniforme, o vestuário também é personalizado, ele por exemplo saiu de terno, gravata e sapato desconfortável.

A comida eram várias opções de arroz integral, leite de soja e tofu. Mas antes que alguém se encante com esse cardápio vou avisando: se você aqui come isso, lá vai ser torresmo e dobradinha. Entenderam a lógica?

Outro exemplo, meu amigo disse que sua TV era BBB onde todos eram evangélicos. Futebol só reprise das campanhas do seu Grêmio, mas brasileirão de 1991 e 2004. Se ele desligasse a TV automaticamente ligava o rádio com música natalina e vice-versa. Mas o detalhe que o desesperou: sua cota de álcool era  saquê, um copinho, em cada carnaval de ano bissexto, e só. Claro que lá ele tinha uma esposa, ela nunca parava de falar e fazia faxina dia e noite. O que ele não chegou a entender é se ela era apenada, e aguentá-lo fazia parte, ou era apenas uma sádica avulsa. De qualquer forma, sua conversão a uma vida saudável tinha raízes bem firmes

Enfim, o que devemos reter da experiência é que o medonho, em sua infinita criatividade, desenhou um inferno para cada ser humano. Como será o seu?

Jesus Cristo ressuscita e dá entrevista exclusiva

se Jesus Cristo pudesse opinar sobre a atualidade…

Rolo Compressor: Obrigado pela entrevista por mail, sabemos de sua agenda ocupadíssima.
Jesus: Imagina!

Rolo Compressor: Muito cansado por ressuscitar?
Jesus: Na verdade já peguei prática, todo ano é a mesma coisa. Vamos ver se o pessoal da produção pensa algo diferente para o ano que vem.

Rolo Compressor: O senhor confirma os boatos sobre o fim do mundo.
Jesus: Não sabemos como essa informação vazou. De certa forma isso é pensado faz um bom tempo. Modéstia a parte eu é que seguro a barra de vocês. O Véio faz tempo que tá P da cara com vocês.

Rolo Compressor: Algum motivo especial?
Jesus: Todos, vocês não se emendam…  Nelson Rodrigues que tinha razão, “a humanidade não deu certo”.

Rolo Compressor: Não tem nada que a gente faça que ele goste?
Jesus: Até tem, mas na matemática, nos números, vocês dão prejuízo para a Glória de Deus.

Rolo Compressor: Podemos ter esperança?
Jesus: Quem sabe, nessa última copa Ele se divertiu bastante.

Rolo Compressor: Deus assiste futebol?
Jesus: Ele não gosta que se fale, mas não perde copa, Eurocopa, Libertadores, campeonato espanhol, o italiano. Mas quando está chateado até serie B do Irã ele assiste. Nesse sábado eu estressado com a função de Páscoa e ele vendo Corinthians e Oeste. Dá para acreditar?

Rolo Compressor: Mas ele assiste outras coisas? Noticiário?
Jesus: Que nada, só futebol. Olimpíadas ele só assiste a abertura e o encerramento. Ele dorme vendo esporte individual. Insônia ele resolve com tênis. Antes do primeiro set e ele já está roncando. E noticiário é bobagem, ele é onisciente, lembra?

Rolo Compressor: Mas as grandes coisas? A paz na terra? A degradação do planeta? Quando Deus se ocupa disso?
Jesus: Sim, mas isso é trabalho e o Veio faz isso rapidinho. Ele tem prática e hoje está tudo computadorizado. O futebol, nem sei bem por que, é o que ele mais gosta do que vocês fazem. Claro que ele gosta de arte, mas é ele inspira e vocês só fazem, então é meio sacal, é só conferir se fizeram direitinho. Programa sobre a natureza idem, é só para lembrar, as vezes ele diz: putz, tinha me esquecido dessa samambaia! Deveria ter caprichado mais no camelo. Mas não chega a se empolgar.

Rolo Compressor: Será que Deus não acabou o mundo por causa do futebol?
Jesus: Eu não falei isso, vocês que tão dizendo. Eu disse que ele gosta, acha divertido, passa o tempo.

Rolo Compressor: Ele torce? Como poderíamos dizer, Ele inclina os resultados para seus favoritos?
Jesus: Muito raro. Deus ama a todos por igual e Ele tem uma reputação, já o Diabo…

Rolo Compressor: O Diabo o que mesmo?
Jesus: O Diabo compra almas com resultados e olha que tem muita gente que vende. Sabe como é, bebe e depois quando chega aqui esqueceu e acha que nós esquecemos. Que nada, vai para o quinto dos infernos. O que Deus as vezes faz, isso eu já vi, é mandar um gol contra quem perde muito gol. Sabe aquilo de quem não faz leva, isso é o dedo Dele. Mas vamos combinar, para quem leva o peso do universo nas costas, não vamos condena-Lo por uma bobagenzinha dessas. Não é mesmo?

Rolo Compressor: Obrigado pela entrevista.
Jesus: Obrigado digo eu, e manda um recado aí para a galera: diz que eu não volto! Nem quero lembrar o que passei. Daqui para frente, o apocalipse e seus quatro cavaleiros, é tudo com Ele.

27/04/11 |
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Uma introdução aos mistérios do futebol

Pelo Cacique Pirangatinga Não poderia voltar ao alto Xingu sem dedicar umas páginas a esse estranho ritual do homem branco chamado futebol.

Pelo Cacique Pirangatinga

Não poderia voltar ao alto Xingu sem dedicar umas páginas a esse estranho ritual do homem branco chamado futebol.

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04/05/08 |
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