A amizade na terra do nunca

Sobre o seriado de televisão Friends

Há 8 anos um grupo de amigos vem fazendo parte da vida de muita gente que os freqüenta virtualmente. Trata-se do seriado Friends, transmitido diariamente no Brasil pelo canal da Warner. Numa primeira aproximação, os personagens parecem bobos, as piadas fracas e a claque dispensável. Quando os conhecemos melhor, descobrimos que é exatamente a rotina, a previsibilidade dos seis  personagens que faz o atrativo da série, já que o enredo é mínimo. Fatos até acontecem na vida dos amigos: eles casam, tem filhos, problemas familiares e laborais, mas estruturados de tal forma que nada rompa a coesão do grupo.

O romance moderno faz dos conflitos interiores e da exposição da subjetividade uma aventura suficiente para nos empolgar, não é mais necessário provocar o drama com um evento, qual um desencontro, um filtro mágico, um crime. Mas Friends não é uma opção pela profundidade, é o triunfo da constância. Os personagens não crescem e pouco se transformam. De certa forma eles habitam uma “Terra do Nunca” (nunca cresceremos).

 Um grupo de amigos é horizontal, pode haver liderança, mas não há hierarquia, é um grupo de pares. Graças a isso, nele se realizam experiências de liberdade das leis da família e da sociedade, justamente porque não tem o peso das relações de trabalho ou parentesco. Dificilmente um grupo adolescente permanece coeso ao longo da vida , cumpre sua função e se dispersa. Algumas amizades restam na sua condição de testemunhas do percurso uns dos outros, e é um valor inestimável a cumplicidade que se pode ter com um amigo com quem se compartilha trechos do passado. Grupos formados por relações de parentesco, de hobby ou de profissão tendem a suplantar esse primeiro núcleo de amigos, cuja única função foi a de laboratório, lugar de gestar e parir uma identidade, um estilo.

O sucesso de Friends é testemunha do imenso valor que tem hoje esta mediação entre a família e o mundo externo que o grupo adolescente faz. Em breve, os traços do tempo sobre a face dos atores condenarão a série, ou pelo menos este grupo de atores, à extinção ou à substituição, sob pena de que aquilo que é simpático se torne patético. Como patéticos são todos os anacronismos, próprios ao culto da adolescência a que nossa sociedade tem se dedicado.

dianacorso@portoweb.com.br

05/02/03 |
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