A falta que faz um louco

Sobre a importância do jogador insano para um time de futebol

Fabrício Carpinejar e Mário Corso

A seleção de Dunga está cheia de bons jogadores, alguns craques como Kaká e Robinho, mas falta o louco.

O louco é a carta essencial do Tarô para o time brilhar. Não é um jogador comum, mas o imprevisível, que pode sair driblando cinco e fintar uma muralha com cisco de calcanhar.

Um grande time é aquele que tem um louco, os times inesquecíveis são os que tiveram a sorte de contar com dois. Time com três não dá certo, é manicômio, os loucos passam a disputar excentricidades e se anulam.

Toda seleção memorável apresentou um louco. Nem sempre ganhou a Copa, porém ganhou o torcedor. A loucura é o improviso, o espetáculo, o momento de ruptura, onde alguém faz o impossível parecer possível, o imprevisível soar exato. O gol nasce duma costura absolutamente irracional, de um desenho inédito. Não se trata de uma jogada ensaiada, e sim de um atentado. 

É Alemanha de Beckenbauer, Hungria de Puskas, Portugal de Eusébio, Argentina de Maradona, Holanda de Cruyff, França de Zidane. O louco supera o país, esse é o problema, ultrapassa o treinador, muitos não aceitam. Hoje se joga pelo resultado, o jogador é domado, controlado, com um ponto imaginário no ouvido seguindo as instruções da casamata. Infelizmente, o talento virou sinônimo do anti-jogo, de firula desnecessária, o insano está ameaçado, pois valoriza cada lance como se fosse uma obra de arte. Garrincha brincando de esconde-esconde na linha de fundo receberia repreensão da comissão técnica, estaria desperdiçando tempo. Mas o mesmo anjo endiabrado gerava pânico em seus beques. O zagueiro Novak se recusou a entrar para marcá-lo num amistoso da Alemanha com o Brasil nos anos 60. Falou para o seu técnico: – Eu não, não sou burro!

Wanderley Luxemburgo alertou para ausência de um jogador no combinado de Dunga que provoque medo no adversário. Respeito. Admiração. Ronaldinho Gaúcho seria a única figura disponível.

Sua receita tem crédito. Toda vez que o Brasil arrebatou a Jules Rimet carregava um alucinado na delegação: Pelé (1958), Garrincha (1962), Tostão (1970), mais do que seus comparsas maravilhosos, quebrava a coluna dos oponentes e virara a direção do vento, Romário (1994) e Ronaldo (2002).

Um time não funciona como um relógio. Claro, existe uma mecânica de base, mas sem o elemento surpresa, sem a criação, o enredo fica banal, qualquer retranqueiro amarra o esquema.

O louco é o que joga mesmo quando não joga. Chama a marcação para si e abre espaço para a maior liberdade ofensiva dos seus colegas.

Diferente do que se imagina, o louco não é o temperamental, o cabeça quente, o provocador, é o que empurra o meio-campo para a criação, que não se perde da bola e nem julga qualquer bola perdida. Não é um desequilibrado, e sim o desequilibrador. Um terrorista do goleiro, que transforma os cadarços em argola de granada; um militante da atmosfera do jogo, em transe com pequena área, que recebe e veste seus santos com as redes.

Zico foi um louco dentro do campo, um atleta dionisíaco, inspirado, trançava parreiras nas cabeças dos zagueiros; fora do gramado se portava apolíneo, como é até hoje. Garrincha simbolizava o louco completo, público e privado, suas pernas eram o que tinha de menos torto.

Por favor, Dunga, lembre de levar um maluco. A Copa é curta como um surto. Ronaldinho está pesado, lento, não ostenta regularidade. Entretanto, ainda tem a fagulha de gênio, produz reverência e cuidado. Depende de uma missão para explodir. A convocação pode lubrificar seus joelhos e devolver o viço de sua espontaneidade.

Veja a desesperada e, paradoxalmente, temida Argentina. É a loucura de Messi mais dez. Um atacante pirado converte um selecionado capenga em provável finalista.

18/04/10 |
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