A maconha e o demônio

confrontando teses paranóicas de que um jornal só se posicionaria pela descriminalização por interesses comerciais.

Se você não acredita em meu Deus deve acreditar em meu demônio. Em síntese, essa é a lógica  binária e pueril que infelizmente domina hoje muitas discussões, negando que o mundo tem muitos outros tons.

Fiquei contente com a posição da Zero Hora sobre a maconha porque rompe com esse simplismo. Ela coloca-se como muitos clínicos que também enfrentam esse problema: não endossando o consumo, mas sendo favorável a liberação. O que queremos é tirar o problemas da sombra do delito para melhor enfrentá-lo. Sabemos dos perigos da legalização mas conhecemos muito bem os graves tormentos da ilegalidade.

A repressão nunca conseguiu diminuir o consumo da maconha e as ações educativas, num ambientes de proibição, tendem apenas envolvê-la numa bruma que exagera seu perigo e a torna atraente por ser pretensamente transgressiva. Acreditamos que jogar às claras e desmistifica-la é o melhor caminho.

Essa posição, que aliás é uma tendência mundial, parte de um fato simples: existe um contingente enorme de consumidores que não estão dispostos a abrir mão de seu hábito e agem com desdém aos conselhos dos profissionais de saúde. Resta-nos muda nossa abordagem para estar perto deles. Se quisermos nos aproximar desse contingente, a primeira coisa é sair da posição de verdade, da postura arrogante de quem se julga com o monopólio do saber sobre o que é bom para os outros. Essa clínica que só consegue apontar a abstinência como estratégia não funciona mais. Não podemos seguir infantilizando e subestimamos o consumidor. E mais, qualquer droga, quando afunda alguém, nunca é só ela. Ela apenas é um atalho para o pior, mas é um sofrimento, uma desesperança, uma tristeza uma depressão que realmente levam a isso.

O campo da clínica é duro porque é sempre perpassado por dúvidas, raramente somos taxativos. Mas quando vejo nossos colegas, adversários dessa posição de maior tolerância, ao invés de argumentos, sacar teorias conspiratórias, reduzindo o complexo problema das drogas à futuros lucros publicitários, disso tiro uma certeza: o que está em questão é o esgotamento teórico do paradigma repressivo.

(publicado em Zero Hora em 12/03/2015)

Um Comentário
  1. thiago estefano permalink

    Parabens mt bom

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