A pergunta errada

Texto a respeito do suicídio

Uma das razões para o silêncio em torno do tema do suicídio é por que tememos a pergunta radical que é colocada pelos que desistem: por que mesmo vale a pena viver? Agimos como se soubéssemos muita bem a resposta, mas engasgamos se nos perguntam isso a queima-roupa. Nunca houve uma resposta fácil, se assim fosse, as religiões não teriam ameaçado tanto os suicidas com o pior dos castigos quando chegassem no outro lado.

Muitas vezes, quando não encontramos uma resposta é por que a pergunta é que está errada. E é esse o caso: não há razão lógica para viver. Não é no plano racional que conseguimos responder sobre o sentido da vida. Teoricamente é até mais fácil provar que a vida não vale a pena. Existimos por amor, que é uma outra forma de dizer que vivemos para os outros. Seguimos vivendo porque estamos conectados a inúmeras pessoas que dependem de nós, que nos querem, que esperam algo de nós. A vida é uma trama de relações, e não há sentido fora dela. Como diria o poeta: a vida é a arte do encontro. Quanto melhor forem esses encontros, mais seguros ficamos de que vale a pena.

Na adolescência ocorre uma passagem, uma criança vive para seus pais, faz parte do projeto deles, cresce com eles, assim como adoece junto, padece dos mesmos sofrimentos, se for o caso. Quando chega a hora de dizer a que se veio, no momento em que se sai dessa influência massiva dos pais, para provar algo do lado de fora da família, o jovem descobre-se desprovido do mínimo de certezas para seguir adiante.

Os adultos apóiam-se em recursos frágeis, mas que ajudam a seguir adiante. Em primeiro lugar, podem pensar que alcançaram algumas conquistas, por mais humildes que sejam: como a capacidade de cativar o amor de alguém, mesmo que fugazmente, é bom ter sido desejado ou amado alguma vez; a experiência de ganhar algum reconhecimento ou dinheiro por algo que se fez bem ou a contento; ou ainda a consolidação de um grupo de amigos e familiares que nos acolhem para rir, chorar ou perder tempo juntos. Em segundo lugar, crescer é ter desistido de ser tudo ou tanto: já chegamos à conclusão, como a raposa da fábula, de que as uvas estão verdes, e almejamos metas um pouco mais de acordo com a realidade, com isso tendemos a frustrar-nos um pouco menos.

O adolescente é aquele que ainda está negociando isso tudo e não adquiriu nem o mínimo dessas humildes motivações que nos ajudam a viver. Muitos amores desse tempo são mais platônicos do que carnais, outros mais carnais do que reais, poucos consistem num encontro. Quando ocorrem, têm-se o sentimento de que são únicos, experiências terminais, não há motivo para crer que as boas experiências se repetirão. A vocação profissional que se é obrigado a descobrir mais parece um delírio irrealizável do que uma escolha, enquanto o dinheiro é coisa que não parece que se obterá pelas próprias mãos. Quanto aos amigos, por que eles iriam gostar de mim, que nada valho? Enfim, com tudo para provar e tantas genuínas incertezas, é difícil ser feliz. Por isso é preciso cuidar muito dessas criaturas delicadas que transitam solitárias de uma condição, na qual eram tudo para seus pais, e descobrem que isso nada vale nesse grande mundo gelado e sem porteiras. Precisamos acompanhá-las sempre que der, mas infelizmente, não poderemos viver a vida por eles…

De qualquer forma, quando os desesperançosos tropeçam e questionam, vacilam sobre seguir vivendo, o mais importante é mostrar-lhes que eles fazem parte de um mundo maior, que outros esperam algo deles, que eles já fazem diferença no mundo, ainda que não tenham provado tanto quanto gostariam.

Jornal Zero Hora

26 de Maio de 2008, por ocasião de uma matéria ampla sobre a grande incidência de suicídios no Rio Grande do Sul

26/05/08 |
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