Amor é incompreensão

Viver uma vida inteira ao lado de alguém é resignar-se a jamais decifrá-lo.

Quando se ama, o pior inimigo não é, como dizem por aí, o costume. Ele pode ser traduzido em intimidade, à guisa de elogio. A rotina pode ser deliciosa, porto seguro da alma, lugar onde ancorar a salvo do medo. A mesmice do outro não é chatice, é repouso. A repetição de seu ser nos envolve e acolhe como o café fumegante depois do almoço, ou o banido cigarro depois do sexo.

A duração de um amor não esbarra nisso, é a idealização das escolhas que a abala. Somos tolos como insetos em volta da lâmpada. Ficamos trocando de parceiro, renovando a expectativa de algo maior, relançando as apostas num encontro absoluto. Balela, amar é combater o desencontro a cada dia. Escute Clarice Lispector: “pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente”.

O convívio não destrói o mistério, pelo contrário. Viver uma vida inteira ao lado de alguém é resignar-se a jamais decifrá-lo. Não nos saciaremos um no outro. Ele nunca chegará a nos pertencer definitivamente. Um rio separa os amantes, travessias são possíveis, mas as margens não se fundirão.

Gulosos, consideramos que a felicidade seria fazer-se um: queremos mais do que encaixe, o objetivo é zerar a distância, anular a diferença, virar uma só laranja. Nesse caso, melhor casar com o espelho ou seguir em busca desse par perfeito, pulando de promessa em promessa, procurando no amor o tesouro escondido da felicidade.

O problema é que Amor e Felicidade sofrem da mesma sina. São inflacionados, acima de tudo incompreendidos e costumam não ser reconhecidos quando estão presentes. Por natureza, eles são discretos, deixam-se estar, suaves, dispostos a um bom papo, uma tacinha de vinho. Mas em geral são ignorados. Depois de um tempo, partem incógnitos. Os que não souberam reconhece-los sequer têm motivo para lamentar por isso, a ignorância protege.

Já a a Paixão e a Euforia nunca passam despercebidas, causam furor quando chegam e todos querem ser vistos e fotografados a seu lado. São barulhentas, jogam confetes em si mesmas e somem sem que se saiba quando foi que a Ressaca tomou seu lugar.

Os amantes ingênuos são mais afeitos ao estilo destas últimas. Como num parque de diversões eterno, esses insensatos ficam em longas filas, por dias, meses, anos, na chatice da espera, para viver aqueles instantes de furor, vertigem. Não gosto de vertigem. Prefiro gastar meu prazo tomando um vinho com a Intimidade. Essa, vos asseguro, é mais próxima da Felicidade. Acho que nunca terminarei de comemorar a permanência do amor como um presente que recebo a cada dia. Um pacote de presente que nunca abro. O mistério de seu conteúdo faz parte da felicidade de tê-lo em mãos.

4 Comentários
  1. Marco Antonio permalink

    Muito bom o texto, acho que esse pensamento de que quantidade é melhor que qualidade é muito alimentado pela mídia hoje em dia com piadas recorrentes sobre casamento que se torna um porre depois de algum tempo ou até mesmo sobre a sogra ser uma chata, tudo isso influencia na ideia ruim que as pessoas acabam comprando sobre um relacionamento a dois, consequência disso são as baladas cada vez mais cheias de pessoas mais novas e mais carentes a procura de algo que nunca encontram, nesse caso principalmente as mulheres, muitas mesmo que neguem queriam sair dali com alguém que ligaria no dia seguinte e chamaria pra tomar um vinho, mas nunca encontram esse “príncipe”, então muitas são alimentadas também pela ideia de que nenhum homem presta e acabam se conformando com a situação de que a única coisa que conseguirão alcançar no final de semana será o alívio da carência

  2. Sandra de Almeida permalink

    Lindo texto, belas palavras e a certeza de que o caminho está correto!
    Muitas vezes temos vontade de desistir, mas a vida é assim mesmo,”um
    diamante: linda porém dura!”Ela muitas vezes ela é como ela quer ser…
    Concluo que consertar uma estrada velha é melhor que trilhar outros
    caminhos.

  3. Neiva Moura permalink

    Parabéns, Dra. Diana, pelo texto alentador. Vou atrás de seus livros para comprar. Há tempos não lia algo tão correto para entender os relacionamentos. Obrigada.

  4. Daniel Saraiva permalink

    Aplaudindo de pé esse maravilhoso texto.

Comente este Post

Nota: Seu e-mail não será publicado.

Siga os comentários via RSS.