Juno

Sobre a maternidade adolescente e infertilidade

Dos rivais que a libertação feminina tem enfrentado, os mais indomáveis parecem ser os ritmos biológicos. Ficamos prontas para engravidar, com a fertilidade a ponto de bala, o corpo viçoso e flexível, quando a cabeça ainda tem muitíssimas outras coisas com o que se ocupar. Depois, quando certas escolhas já foram feitas, e algumas garantias nos tranqüilizam, aí já estamos fisicamente mais frágeis para conceber e parir. Se então quisermos ser mães, necessitaremos repouso e assistência médica.

 Juno foi uma deusa romana, esposa de Júpiter, protetora das mulheres (similar à grega Hera). Ficou conhecida pelas ardilosas e espetaculares vinganças contra as amadas de seu marido infiel. O cinema emprestou seu nome para uma garota precocemente grávida, numa história em que o poder de uma mulher não rivaliza com o do homem, mas com os revezes da maternidade.

A nova Juno (do filme dirigido por Jason Reitman, 2007) tem 16 anos, se apaixona e seduz um colega de aula do tipo tímido, mas por uma ingenuidade, um lapso, engravida. Não há dúvidas, abortar é preciso, mas ela não consegue. Opta por ter o bebê e escolher pais adotivos para ele. Entra em cena Vanessa, mulher adulta que não consegue engravidar e faz parte do casal selecionado para a missão.

Elas são personagens femininas fortes, num filme de figuras masculinas vacilantes. Suas histórias se entrecruzam justamente no ponto em que ambas estão vivendo um conflito similar em tempos de vida diferentes: entre sua posição ativa na vida e a passividade que lhes é imposta pelos seus corpos, igualmente voluntariosos. Juno é cheia de iniciativa, sexual e socialmente, mas a experiência da gestação é o oposto disso, ela impõe seus efeitos e protuberâncias. Vanessa é bem sucedida em tudo, menos para engravidar. Ser mulher é negociar com a vontade dos ciclos, com a presença das cólicas e TPMs, com as oscilações dos hormônios, ser mãe é partir-se para parir, derramar para amamentar.

Nessa comédia delicada, o toque de drama é garantido pela solidão dessa maternidade. O pai de Juno, e os amados de ambas, bem queridos, são fracos. Há também uma boa amiga e uma madrasta muito legal, mas nenhum desses vínculos parece estar à altura do desafio de uma gravidez na adolescência ou da dor pela infertilidade na mulher adulta.  

Por mais que se invoque a santidade das mães, representamos um estigma que ninguém gosta de evocar. É assustador pensar que nossa mãe nos gerou em suas entranhas, que emergimos de sua vagina e nos alimentamos em seus seios. Equilíbrio delicado entre o maravilhoso e o sinistro. Todas carregamos isso em nossa imagem, tendo sido mães ou não. Curiosamente, nem sequer as próprias mulheres conseguem pensar muito no assunto se não estiverem passando de alguma forma por isso. A maternidade é como um trem fantasma, no qual só se entra quando se quer muito, ou quando não se tem opção. E há nela uma dimensão de solidão irredutível, mesmo quando acompanhadas.

01/02/08 |
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