Lacan, que hoje faria 110 anos

sobre o legado lacaniano


Lacan nasceu com o século passado (13 de abril de1901, viveu até 9 de setembro de 1981) e viveu as contradições desse atribulado período. Originário de uma tradicional família católica, formou-se em medicina. Depois se encaminhou para a psiquiatria e do encontro com essa, passando pelo surrealismo, chegou na psicanálise, que nunca mais foi a mesma.

Podemos dizer que como a histeria estava para Freud, a paranóia esteve para Lacan. Sua tese de doutorado foi baseada no caso de uma paciente que tentara assassinar uma atriz (caso Aimée). Tocado pelo tema da loucura, na época ainda buscou explicações para um crime que mobilizou a França: as irmãs Papin, duas criadas, mulheres aparentemente pacatas, que assassinam e desfiguraram suas patroas.

Seu texto sobre o “Estádio do espelho”, onde examina com mais atenção a contribuição do olhar do outro para a formação do eu, foi fundador de suas próprias teorias. Esse mesmo eu é, para Lacan, uma espécie de ficção, eixo de ilusão do que acreditamos ser, portanto peça chave do nosso narcisismo e centro da nossa alienação.

Porém, seu lado mais polêmico incluía uma crítica às instituições psicanalíticas, herdeiras da tradição freudiana. Ele julgava que importantes aspectos teóricos estavam sendo esquecidos, especialmente que a psicanálise era a cura pela palavra. Seu estilo provocador e irreverente, aliado a algumas maneiras não ortodoxas de atender os pacientes, especialmente na questão do tempo da sessão, lhe valeram a expulsão da Sociedade Psicanalítica de Paris, ligada a IPA. Não lhe restou outro caminho do que, com alguns alunos (como Françoise Dolto, Serge Leclaire, Maud e Octave Mannoni, François Perrier e Mostapha Safouan entre outros) fundar outro centro de referência, a Escola Freudiana de Paris. Essa questão não é mero folclore de uma personalidade rebelde. O que Lacan sempre quis nos transmitir era que a psicanálise para operar necessita de certa ruptura com o estabelecido, e as sessões de mesma duração poderiam acomodar o discurso. Os vários relatos dos seus inúmeros analisandos nos mostram sempre o desconcerto a que ele os submetia, contribuindo para que eles se reposicionassem frente ao que diziam. Arriscado, mas Lacan nunca fazia as escolhas fáceis.

Seu estilo de ensino tomava o mesmo caminho. Adorava frases bombásticas como: “a relação sexual não existe”. Só queria chamar a atenção para algo bem simples, que teimamos em esquecer: não nos relacionamos sexualmente com o outro; de fato estamos em presença do outro, mas cada um traz sua fantasia sexual para a cena. Quando as fantasias se alinham temos a ilusão dessa relação, mas de fato é um jogo ao mesmo tempo solitário e compartilhado. Por isso há tantos desentendimentos em relação à sexualidade.

A psicanálise nunca está pronta, por isso coube a Lacan dialogar com o saber do seu tempo, como Freud havia feito. As pessoas mudam, a família não é a mesma e, portanto, as formas de organização e sofrimento tampouco. Como Lacan acreditava que o inconsciente está estruturado como uma linguagem, os seus principais interlocutores teriam que ser os lingüistas da época, no caso, Saussure, Jacobson e Benveniste. Sua obra também foi bastante marcada pelo estruturalismo de Lévi-Strauss, com o qual insistiu na importância do registro do simbólico como determinante da nossa condição.

Fora da psicanálise Lacan foi um crítico duro do século XX, considerava, por exemplo, a ciência uma ideologia da supressão do sujeito. Não desprezava seus avanços práticos, mas apontava para ciladas, particularmente quando usada nas ciências humanas. Para ele, a neutralidade é impossível, acedemos ao objeto de um estudo permeados por nossos desejos e fantasmas, nossa subjetividade está sempre em jogo. Fica difícil, assim, assumir uma posição neutra frente aos problemas. Aliás a neutralidade foi uma atitude inexistente para esse homem, que imprimiu seu estilo irriquieto, personalista e criativo por onde passou. A melhor forma de homenageá-lo é herdar sua inquietude.

13/04/11 |
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