O menino do pijama listrado

Sobre o filme, postado por Mário e Diana

Geralmente questionamos as indicações dos críticos de cinema, sobretudo quando se trata de filmes infantis. Essa nossa desconfiança básica ganhou um reforço quando a cotação de “O  Menino do Pijama Listrado” na Folha de São Paulo saiu como péssimo. 

Fomos no cinema igual, e para variar constatamos o de sempre, a crítica não percebe a diferença entre linguagem infantil e adulta. O filme é a trajetória trágica duma ingenuidade infantil, contada desde essa lógica. É um filme para jovens, mas é um bom filme. Retoma velhos clichês sobre os campos, mas o argumento central é absolutamente inovador. O filho do diretor dum campo faz uma amizade com um menino detento e por descaminhos da trama os garotos terminam compartilhando o mesmo destino funesto. 

O filme é mais que uma denúncia, como tantas, dos campos de extermínio, ele é uma fábula sobre os filhos da Alemanha que morreram. O preço da insanidade do nazismo corroeu a própria Alemanha, e é ela a vítima aqui representada pelo garoto Bruno. Ele é a geração posterior, a que olha para seus pais e não acredita no que ocorreu. Que se pergunta como eles foram capazes. 

A linguagem do livro, que fica parcialmente preservada no filme, é a do pensamento infantil. Há uma natural crueza nesse garoto alemão, o filho do oficial nazista que está longe de ser uma Pollyanna de Auschwitz. No livro, além da lentidão do menino, que nunca termina de perceber definitivamente do que se trata o campo, apenas não consegue ocupar-se de outra coisa do que explora-lo. Ele percebe que ali está o segredo do que orgulha seu pai e faz sua mãe chorar, que orgulha seu avô e horroriza a avó materna, uma artista sensível que havia iniciado o neto na fantasia, na criatividade. Rapidamente, aquilo que era originalmente percebido como uma fazendo onde todo mundo usava pijamas, torna-se o centro de suas explorações. Quando Bruno conhece Shmuel, o menino judeu de pijama listrado, situado no outro lado da cerca, careca, arredio e faminto, ambos olham-se como num espelho que reflete duas faces da infância destruídas pela ditadura, pela cegueira dos homens.   

O pai de Bruno, no livro, fala com orgulho de sua educação de obediência que o tornou um oficial tão eficiente, enquanto a própria mãe o chama de fantoche e marionete de Hitler. Bruno, que vai sendo cerceado em sua criatividade pelo empobrecimento doutrinário da educação que recebe, vai usando seus instrumentos para interpretar o que vê, e seu novo amigo é peça chave. Eles chegam à conclusão que nasceram no mesmo dia, partilham então a mesma trajetória de vida, do início ao fim. A morte que os encontra juntos simboliza não somente a dos judeus, que foram eliminados tanto fisicamente quanto foram destruídos seus projetos na Alemanha, na Polônia, na Hungria, países nos qual sentiam-se cidadãos. Mas também do lado dos alemães houve um genocídio de futuro, os dois meninos simbolizando as novas gerações que cresceram num ambiente emocional de vergonha e aridez. As novas gerações de filhos da Europa derrotada tiveram seu futuro abalado pelos seus pais, que assassinaram sua criatividade durante aquele período histórico, banindo seus livros, pensadores, artistas e políticos, restando o reino dos delirantes, medíocres e dos puxa-sacos, a escória que sustenta todo tipo de ditador.

No clímax da história, os garotos saem em busca do pai desaparecido de Shmuel, e nada encontram. Bruno queria ser explorador, morreu com ele a curiosidade infantil, essa mesma que mantém viva a democracia, a arte e todo tipo de pequenas e grandes revoluções. Vai levar muito tempo para que essa parte da Europa termine de reconstruir a sua inteligência expurgada e devassada, muitas gerações continuam em busca desse pai, que simboliza aquela cultura tão rica, que foi sufocada nos campos, no autoritarismo, na mediocridade militante da obediência devida.

POSTADO NO BLOG “TERRA DO NUNCA” EM 10 DE JANEIRO DE 2009

10/01/09 |
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