O Papa Francisco e os Lamed Vavniks

No apoio ao novo papa, expressão da esperança mínima, presente em uma velha lenda do Talmud

Uma questão que se coloca quando lemos o Velho Testamento: por que Deus não destrói  esse nosso mundo imperfeito? Afinal, pouco O veneramos e insistimos em tantos e repetidos pecados. Por muito menos do que somos ou fazemos Ele varreu do mapa Sodoma e Gomorra. O que O deteria agora de fazer agora o mesmo conosco?

A tradição judaica tem uma boa resposta: nossa sorte estaria depositada em trinta e seis pessoas justas, os Lamed Vavniks. Essas pessoas seriam nossa salvação. Nas palavras sintéticas de Borges: “os pilares secretos do nosso universo”. Nosso mundo não é destruído porque pelo menos alguns homens retos habitam esse planeta infeliz. Seu nome vem do iídiche, mas proveniente do hebraico: “um dos trinta e seis”. Os Lamed Vavniks não sabem que o são, não sabem quem são os outros, tampouco desconfiam de sua missão. O que se sabe é que são todos muito pobres e se descobrem seu propósito morrem, sendo que imediatamente, outro é posto em seu lugar.

Várias questões se colocam: seriam todos homens? Ou existiriam mulheres Lamed Vavniks? Por que trinta e seis? Seriam todos judeus, ou Deus tem uma visão mais ampla dos seus garantes do universo? E a pergunta principal: quem criou os Lamed Vavniks? Afinal, se eles são a garantia de que Deus não nos esmague num momento de fúria, não faria muito sentido que Ele tivesse criado algo para Lhe fazer barreira posteriormente. Ou então, Deus é consciente de seus rompantes, e criou esses seres perfeitos para Lhe lembrar da esperança de que um dia viéssemos a nos corrigir. Essas questões permanecem sem resposta, mas a evocação dessa lenda me ajudou a pensar a simpatia atual pelo novo Papa Francisco.

É extraordinária a reação positiva de sua escolha entre os laicos, entre os quais me incluo. Que os católicos o recebessem bem faz sentido, depois de anos de papa sem carisma chegou um  com dose dupla. Ele transmite uma nobreza e integridade por todos os ângulos. Se vai conseguir dar novos rumos para a igreja é assunto interno aos católicos, e dos que vão à missa.

Minha questão é: por que até os não católicos simpatizaram com a escolha? É difícil explicar, mas apostaria que um dos motivos é supor que ele funcionaria como um Lamed Vavnik, versão católica. E convenhamos, o ocidente anda precisando de um. Vivemos numa era sem estadistas. Sua figura seria uma esperança mínima de uma humanidade melhor, como se existindo pelo menos um moralmente superior, nós também poderíamos ser melhores.

O homem cria utopias para suportar sua precária existência, tanto concreta como moral, parte da ideia de que em algum lugar algo melhor existe, existiu ou existirá. O horizonte do homem não poderia ser só esse. As utopias sonham nossas melhores possibilidades, figuras públicas extraordinárias também.

29/03/13 |
(1)
Um Comentário
  1. Eu simpatizei com o Papa, porque foi o único (que eu soube) que falou em
    alegria neste mundo tão rabugento. Gosto de ser alegre, fico alegre quando estou alegre, já estou ficando alegre!!!

Comente este Post

Nota: Seu e-mail não será publicado.

Siga os comentários via RSS.