Que falta nos faz a filosofia

Sobre o livro Filosofia em Comum de Marcia Tiburi

A minha geração (dos que hoje beiram os cinqüenta) pegou o desmonte do ensino no Brasil ou, a “Reforma”. Basicamente, retiraram do currículo as humanas, ou as reduziram ao mínimo, e intensificaram as exatas. Precisávamos de engenheiros e técnicos para construir o “Brasil Gigante”.

Na minha escola, olhava com curiosidade os quadros com latim, francês e filosofia que os mais velhos estudavam, mas nunca cheguei lá. Quando chegou a minha vez, não tinha mais. Já os períodos de química e física e matemática aumentaram. Não me fiz de rogado, aprendi direitinho e fui fazer engenharia.

Chegando à faculdade, a encontrei depenada. Os professores que acreditavam que a universidade é antes de tudo um lugar para pensar, já tinham sido banidos. Na academia pairava um ambiente de ginásio e eu esperava muito mais. Também não foi ali que encontrei alguém disposto a me ensinar a pensar. Idéias inteligentes só estavam disponíveis entre os colegas, talvez por isso a força do movimento estudantil da época. Os estudantes eram a reserva da inteligência universitária.

Como tantos, a minha formação humanista foi feita fora da universidade. Líamos o que se encontrava e o menos caolho puxava os cegos. Era uma época de grandes transformações, a geração precedente arrombou a porta da revolução dos costumes, e a nossa aproveitou. Tínhamos a mesma sede e muito para entender. Éramos uma multidão sem guias. Sempre uma formação é uma colcha de retalhos, mas a nossa era uma colcha esburacada, aliás, como ainda sinto a minha.

Hoje leio um livro que gostaria de ter encontrado naquela época: Filosofia em Comum de Marcia Tiburi (Record, 2008). É um livro sobre filosofia atípico, ele é uma mão estendida que nos puxa para dentro do campo da filosofia e tenta nos ensinar a pensar. Um livro que fala com o leitor. Embora o encontro seja anacrônico, como eu tenho uns atrasados, uns quebra cabeças velhos dos quais nunca encontrei as peças, me serve e recomendo.

Hoje o ensino de filosofia está sendo retomado, espero que no espírito do livro de Tiburi. O livro é desmistificador da filosofia, facilita o acesso e nos faz reconhecer os movimentos do nosso pensamento, as ferramentas que usamos. Não se perde na história da filosofia, vai direto aos temas filosóficos clássicos.

Hannah Arendt estudando o nazismo encontrou, no que chamou a ausência de pensamento, as suas respostas para a origem do mal. O grande malfeitor do século XX foi o homem comum que dizia apenas cumprir ordens. Um homem incapaz de pensar por si próprio pode emprestar sua alma a qualquer projeto cretino. Pense nisso.

26/10/08 |
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