Socorro, barata!

Mulheres e baratas: inimizade letal, intimidade herdada.

Meu marido costuma perguntar-me: para onde estas olhando? Brinca que se uma manada de elefantes estiver marchando na calçada eu casualmente estarei reparando em alguma folhinha caída. Há uma exceção: tudo isso altera-se radicalmente quando o assunto é barata.

A simples presença desse inseto dito inofensivo torna-me uma observadora ninja. Não há ruído dele que escape aos meus ouvidos apurados e os olhos são capazes de visão noturna. Entre a percepção e o ataque de pânico costuma não haver lapso. Ondas de calafrios me percorrem e fico em pânico de que a barata me toque.

Graças essa fraqueza, sinto empatia com o drama dos pequenos, que gritam apavorados ao serem obrigados a aproximar-se do Papai Noel, de um cachorro ou do que for seu objeto fóbico. Isso acontece porque no começo da vida temos dificuldade de diferenciar onde termina o eu e começa o outro, assim como o que vem de dentro e de fora do corpo. Também nem sempre é fácil distinguir os adultos amorosos e confiáveis dos monstros. Já na escuridão, sentem-se diluídos, sem contornos, o que é fonte dos terrores noturnos.

Para todos esses males, temer uma figura facilmente encontrável organiza a geografia do perigo, tornando-o mais passível de controle: se o medo se focar no cachorro da vizinha, que sempre late quando passamos, ou no Papai Noel de Shopping, basta evita-los e estaremos seguros. O pequeno apavorado não tira os olhos do monstro, mantendo-o na mira.

Meu problema com as baratas é comum entre as mulheres que, tradicionalmente confinadas, partilharam o destino das crianças. A privacidade da casa era um não lugar, sua voz não fazia diferença, seu pensamento não era chamado a participar. Nunca sabiam bem quem eram, pois a identidade não vinha dali. Reinavam, mas num território de exílio dos homens públicos, em contato com a roupa suja dos patriarcas, em sentido real e figurado. Longe dos ritos sociais, que protegem e organizam o corpo e as ideias, convivendo com as fraquezas, doenças e vilanias dos que se bancam fortes e idôneos lá fora, elas sentiam medo.

A barata, forma renitente da sujeira imune mesmo à limpeza mais abnegada, é o pesadelo da mulher. Representa seu trabalho repetido de Sísifo, o castigo da sujeita invencível. Como todo objeto fóbico, deve ser próximo e assíduo. Frágeis como crianças, em seu mundo isento dos direitos civis e cheio de deveres servis, as fêmeas elegeram na barata um perigo que pode ser mapeado e combatido. Hoje isso não faria mais sentido, pois também somos figuras públicas, mas continuamos em pânico. Talvez ainda estejamos marcadas pelo longo período de dependência. Para mim, pelo menos, nada no mundo parece tão reconfortante quanto a paz que se instala uma vez que o monstro, de borco, cessa de espernear para sempre.

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